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País das freguesias

Asnela. “Se eu mandasse, estava tudo virado com o debaixo p’ra cima. Tudo ao bonito"

26 set, 2017 - 09:23 • Olímpia Mairos

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País das Freguesias - Asnela e o despovoamento - 26/09/2017

A aldeia rural de Asnela, situada no coração de Trás-os-Montes, pertence à União de Freguesias de Carva e Vilares, concelho de Murça. Quase toda construída em granito, oferece a quem a visita uma beleza rural estrondosa.

Mas a emigração e a imigração encarregaram-se da sua desertificação. Há 50 anos, a aldeia tinha 250 pessoas. Actualmente, são seis os habitantes. O mais novo tem 70 anos e o mais velho 88 anos.

Maria de Lurdes tem 72 anos e gosta “muito” da aldeia. “Nasci cá, vivi cá… e agora, morrer… não sei onde vou morrer”, diz com um sorriso bem disposto.

“Já fui três vezes à Alemanha e já fui a Lisboa, umas quatro ou cinco vezes”, conta. “Já lá estive três meses a viver com o meu marido. O meu marido adoeceu e estivemos lá até que ele melhorou e, depois, viemos embora”.

Em Asnela encontramos apenas três ou quatro casas habitadas, com construção recente, no enquadramento das já existentes mas em ruínas.

Quantos são? - perguntámos. “Quantos somos? Não tem conta! [risos, muitos risos…] Nem tem conta”, repete, “quantos somos! No mês de Agosto há aí muita gente. Agora foram governar a vida deles. Mas, depois, no mês de Agosto voltam”.

Na pequena aldeia não há padaria, café ou supermercado. Quando precisa de alguma coisa, Maria de Lurdes abastece-se no “merceeiro”, que todas as quintas-feiras se desloca a esta povoação ou vai a Murça e traz o que lhe faz falta.

Sobre o “trabalho” da União das Freguesias de Carva e Vilares na aldeia de Asnela, Maria de Lurdes refere que “as obras são poucas, não fazem grande coisa.”

“A aldeia precisava de muitas coisas. Precisava de uma calceta daqui para cima. Aqui passa um tractor, mas um carro não passa”. “Precisávamos de uma rua nova, mas não a fazem”, lamenta enquanto esboça um sorriso de resignação.

Também residente em Asnela é Maria Cordália Rainho, de 70 anos. Vive ali desde os 15 anos. Veio para casa da avó, gostou, casou e ficou. Apesar de ser uma aldeia na montanha, “é uma aldeia bonita. Temos bons acessos, não estamos isolados” e “somos muitos na aldeia”, diz com alguma ironia e a sorrir. “Somos uma família”.

Maria Cordália e os que ainda podem teimam cultivar os campos, garantindo uma parte do seu sustento. Semeiam batata, feijão, cebolas, hortaliças e criam animais. “Não há outro meio de viver”, confessa Maria Cordália.

Para Cordália, a Junta de Freguesia deveria “dar mais apoio a esta aldeia isolada”, e refere que o que faz realmente mais falta “é a água” e os “caminhos também não estão assim muito bons para ir para os terrenos”. “Na verdade, o que é preciso é mais pessoas para virem aqui habitar”, conclui.

Lucinda da Conceição, sentada com Maria Cordália na escadaria de pedra de uma casa da aldeia, recebe-nos com um ar sereno e um leve sorriso. Tem 84 anos e um amor “sem fim” à terra. Já saiu de Asnela, mas por “pouco tempo, só para ir passear para a Alemanha, para a Suíça e para a França” e não encontrou “terra mais bonita”.

“Diz que por lá é tudo muito bonito, tudo muito bom, mas, para mim, aqui é que eu me sinto à vontade”, explica.

Contudo, se Lucinda da Conceição mandasse… “Ai, se eu mandasse!!! [risos, risos…] Se eu mandasse, isto estava maravilhoso. Estava tudo virado com o debaixo p’ra cima. Tudo ao bonito! Tudo o que fosse bonito vinha p’ra aqui”.

Mas o que falta? – perguntámos. “Olhe, falta tudo! A gente não tem nada. Cá estamos no meio destas fragas, assim! Ninguém faz por fazê-lo bonito... Bonito é, mas podia estar mais bonito, não é?! As ruas podiam estar arranjadas, mas não estão. Temos o mesmo direito que as pessoas das outras aldeias, mas que nos adianta termos o direito, se não temos quem no-lo faça?” [risos…].

A União das Freguesias de Carva e Vilares é uma freguesia do concelho de Murça, com 29,30 km² de área e 472 habitantes. Asnela fica a dois quilómetros da sede de freguesia e a 17 quilómetros da sede de concelho.

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