29 jul, 2017 - 13:01 • Marina Pimentel
A Justiça tem a mão mais pesada para as mulheres, por comparação com a sanção aplicada aos homens que praticam um crime?
João Pedroso acredita que sim. O advogado e investigador do Centro de Estudos Sociais defende que a mulher sofre uma dupla condenação: pela prática do crime e pelo facto de não cumprir o seu tradicional papel de protectora.
As mulheres são assim condenadas duplamente, diz João Pedroso, que revela também que a percentagem de mulheres em prisão preventiva é muito mais alta do que na definitiva, o que pode ser explicado pelo facto de haver tantas mulheres acusadas do serem correios de droga.
“Temos a cumprir pena, ou em prisão preventiva, 870 num universo de 13.779 reclusos, o que significa que as mulheres são pouco mais de 6%. Mas se olhar para a prisão preventiva, neste momento em Portugal há cerca de 700 reclusos mas as mulheres são 200, cerca de 30%. Por isso proporcionalmente, dentro de cada grupo, há mais mulheres em prisão preventiva do que homens”, explica.
“Na perspectiva do sociólogo é relevante para tentar analisar o funcionamento do sistema. Na perspectiva do jurista é importante porque há um conjunto de mulheres que são consideradas traficantes de droga mas que são, para usar a gíria, as ‘mulas’ que trazem a droga dentro do seu corpo”, afirma ainda.
Em relação às jovens que cometem factos que a lei qualifica como crime, João Pedroso adianta que de uma forma geral o sistema judicial é mais generoso com as raparigas do que com os rapazes, excepto quando elas batem.
“O sistema é muito mais generoso com as meninas em todas as fases, há aquela tendência de dizer que sendo menina vai-se resolver em família. Há uma excepção, que é quando as meninas batem como rapazes. Quando isso acontece o sistema dá-lhes, em termos sociológicos, uma medida de internamento mais grave”, explica João Pedroso, que é também um dos autores de um livro sobre delinquência juvenil e a invisibilidade do crime no feminino.
Casa de bonecas?
Actualmente, contudo, a prisão pode até ser um sítio onde se encontra a segurança e a paz que não se têm em casa. A antropóloga Catarina Fróis acredita que é isso que acontece a alguma das mulheres que conheceu na cadeia feminina de Odemira que visitou durante um ano.
São mulheres que vivem em condições económicas muito precárias e são vítimas de violência doméstica. “Muitas destas mulheres, que eram vítimas de violência doméstica, que viviam em condições muito precárias fora da prisão, seja em termos de desemprego ou de dificuldade de manutenção da vida diária e dos seus filhos, encontram na prisão por um lado um espaço protegido, mas por outro lado conseguem reflectir sobre o que foi a sua vida passada. Desse tempo de reflexão alguma coisa há-de vir.”
Em Odemira, não existe o crónico problema do sistema prisional português que é a sobrelotação. O facto de as reclusas serem poucas e as guardas, em proporção, serem muitas, tem um impacto muito positivo no ambiente que se vive entre grades. “Faz com que haja uma proximidade também entre as guardas e as reclusas. Tem um efeito positivo quer para as guardas prisionais, quer para as próprias reclusas. Foi o primeiro caso, depois de três anos de prisão em 11 prisões, em que um recluso me disse que ‘aqui os guardas e as guardas são pessoas espectaculares’”, explica Catarina Fróis.
Por ser pequena e haver quase um clima de amizade entre as reclusas e as guardas, já houve quem já lhe chamasse Casa de Bonecas; o mais improvável dos nomes que se poderia dar a uma cadeia.
O problema de Odemira é que fica longe, muito longe, para famílias pobres que são as da maioria das reclusas. Catarina Fróis diz que o maior factor de angústia e de stresse daquelas mulheres, é o facto de quase não receberem visitas da família.
“Três horas de transportes públicas, ficam uma hora de visita e depois demoram outras três horas para voltar. Isto tem um custo. Se estivermos a falar de ser a mãe, pai e filhos, estamos a falar de dinheiro que estas famílias não têm como suportar. É talvez uma das fontes de maior stresse e angústia que aquelas mulheres vivem enquanto estão presas”.
O Em Nome da Lei é um programa da Renascença que é transmitido aos sábados a seguir ao noticiário das 12h00 e que este sábado juntou à conversa três autores sobre o crime no feminino.