07 abr, 2017 - 13:54 • Rui Barros
“Não estávamos preparados para lidar com este número de vítimas." Safwat Shaikhuny, chefe de gabinete da direcção dos serviços de Saúde de Idlib, estava na cidade síria, a cerca de 100 quilómetros de Khan Shaykhun, quando se deu o ataque com armas químicas que feriu 546 pessoas e matou outras 74, esta terça-feira.
O membro da equipa que coordena os hospitais locais relata, em entrevista à Renascença por Skype, o impacto de um ataque que a população não esperava.
“Logo após o ataque, as pessoas da zona afectada começaram a transportar os pacientes com os seus próprios meios de transporte”, relata o médico sírio.
Safwat Shaikhuny explica que o facto de se pensar ser mais um “ataque normal, feito com mísseis normais”, fez com que o número de vítimas fosse ainda maior, com o gás, que se acredita ser sarin, a afectar também as equipas de emergência.
A isto, acrescenta Safwat, somou-se a falta de equipamento médico, que já se fazia sentir ainda antes do ataque químico. "Não tínhamos os materiais necessários para lidar com este tipo de ataques", diz.
Depressa este médico se apercebeu da necessidade de enviar alguns dos pacientes para hospitais turcos, não só pela falta de material (como máscaras e botijas de oxigénio), mas também porque, em Idlib, era a primeira vez que alguns médicos lidavam com ataques químicos. "Três dos 54 feridos foram logo transferidos para a Turquia", conta o médico sírio.
“Por mais que tente, não consigo explicar. Foi muito assustador”, relata à Renascença Ammar Kourani, outro elemento dos serviços de Saúde de Idlib, a partir da Turquia, onde se encontra junto de alguns dos doentes que foram transferidos. “As pessoas, mesmo as que vivem mais longe, começaram a sair das cidades para se refugiarem nas quintas, nos arredores, por estarem à espera de um novo ataque”, conta Ammar.
Safwat é da mesma opinião. “As pessoas estão com medo de que o ataque se repita, que se voltem a usar armas químicas. Sabem que este é o tipo de armas mais perigosas que se poderia usar. Têm medo, hesitam no que fazer, não sabem para onde ir. Sabem que há falta de medicamentos. Sentem-se cercadas."
Críticas à comunidade internacional
O clima de insegurança na província de Idlib é mais uma peça da história trágica de um país há sete anos em guerra civil. O número de mortos do conflito, segundo a Rede Síria para os Direitos Humanos, já ultrapassa os 206 mil.
Um novo ataque com armas químicas – proibidas por uma convenção das Nações Unidas – é só mais um episódio que tanto Safwat como Ammar acreditam que descredibiliza a comunidade internacional, cuja falta de acção incomoda os médicos de Idlib. Ambos acreditam que apenas o regime teria a capacidade de usar este tipo de armamento. E culpam os líderes mundiais.
“É como se a comunidade internacional tivesse dado ao regime luz verde para fazer o que quer”, desabafava Safwat Shaikhuny, ainda antes do ataque norte-americano desta sexta-feira. “Não parecem estar a reagir da melhor forma”, acusou o médico sírio. Para Safwat não interessa quem, de facto, está por detrás do ataque, mas sim “como a comunidade internacional reage” ao acontecimento.
A partir de Idlib, diz à Renascença que a atenção mediática é efémera e pontual e, por isso, teme que o regime de Bashar al-Assad volte a repetir o ataque.
E nem mesmo a primeira acção militar norte-americana em solo sírio, na madrugada desta sexta-feira, à base aérea de Shayrat, na região de Homs, parece convencer o responsável dos serviços de saúde de Idlib. Há "outras bases aéreas muito mais essenciais para o regime”, diz.
Em Idlib, os médicos já lançaram uma campanha de sensibilização para prevenir novos ataques com armas químicas.