28 mar, 2017 - 00:01 • Eunice Lourenço
Foi a última “provocação” como o próprio Paulo Portas lhe chamou. No final de um almoço-conferência organizado pelo Instituto de Estudos Políticos (IEP) da Universidade Católica Portuguesa, o antigo vice-primeiro-ministro, que também passou pelas pastas da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, criticou a onda de referendos que tem assolado a Europa e até ironizou que prefere o “método cardinalício”.
“Uma das coisas que está a corroer a democracia na Europa é uma espécie de cedência sistemática aos argumentos quantitativos com os quais queremos resolver problemas qualitativos”, disse Portas, continuando: “Quanto mais vejo referendos e suas consequências, primárias e suas consequências, directas e suas consequências mais admiro o método cardinalício que é a democracia representativa em grande qualidade. Um colégio de 120 pessoas, nenhum deles eleito, todos nomeados, que foram capazes, com a assistência do Espírito Santo, eleger o papa Wojtyla na hora em que o Papa Wojtyla era necessário para mudar o mundo e elegeram o Papa Francisco na hora em que o Papa Francisco foi capaz de responder ao novo mundo para a Igreja.”
“Vejam lá se não são melhores consequências”, concluiu o antigo ministro e líder do CDS que agora passa a vida entre conferências na América Latina, aulas no Médio Oriente e relatórios para as empresas e os governos que lhe encomendam a sua opinião sobre o estado do mundo.
Na plateia, estavam vários antigos colegas de governo, dezena e meia de embaixadores, a actual presidente do CDS, o mais histórico dos ex-líderes, Adriano Moreira e, sobretudo, Durão Barroso, o antigo primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia, agora presidente da Goldman & Sachs, mas que estava ali como anfitrião. Foi dele o convite para Paulo Portas ir falar sobre “Globalização e desglobalização. A posição da Europa face à nova liderança norte-americana”.
Portas começou por dizer que está algures entre o fanatismo anti-Trump da CNN e o fanatismo pró-Trump da Fox News e traçou um retrato da presidência de Donald Trump, com a esperança de que ainda exista uma “América moderada”.
O antigo vice-primeiro-ministro começou por lembrar que o Presidente americano que deportou mais mexicanos foi Obama e que foi Reagan quem legalizou mais latinos. E, continuou, foi Obama quem retirou os EUA dos principais teatros do mundo, como a Síria, a Líbia, o Egipto e o Iraque. Ou seja, Obama também revelou esses traços da política americana que têm marcado outros Presidentes: isolacionismo, proteccionismo e nativismo.
“Trump acentua, mas continua de forma estridente, uma política isolacionista”, prosseguiu Portas para quem a novidade em Trump é que “pela primeira vez, na era da globalização, um Presidente parece ter estas três prioridades e nenhuma outra”. Acresce que “Trump acha que pode ser Presidente como era CEO das suas empresas” e vai levar “a tensão política até ao limite”, o que “vai ser o cabo dos trabalhos para os diplomatas”.
Trump, diz Portas, acredita “de forma simples” que “a eficácia mede-se pelos acordos e os acordos fazem-se em posições de força”. Mas, continuou o ex-governante, o Presidente americano vai mudar frequentemente de opinião e Portas até acredita que não será penalizado por isso porque “de um bilionário não se espera coerência, espera-se eficácia”.
Portas realçou, contudo, que embora o mundo político esteja preocupado com Trump, as bolsas não estão. E a nova política americana, conjugada com a política económica britânica pós-Brexit pode ser dramático para a economia europeia. A Grã-Bretanha prepara-se para ser uma “super Irlanda”, com ‘dumping’ fiscal e, uma vez fora da UE, “vai querer fazer comércio com toda a gente”. Por isso, mas também sobretudo por questões de segurança, o ex-ministro aconselha “um acordo razoável” para o Brexit. E que evite mais divisões.
“A Europa só é o primeiro bloco económico do mundo quando estão todos juntos. A Europa, como um todo, fala de igual para igual ou até de maior com os EUA”, disse Portas, para quem os problemas da Europa são anteriores à globalização e passam pela pouca flexibilidade dos europeus que são “hostis à mudança”. E que confessou a sua “vergonha” por a Europa ter “colapsado” em termos de decisão política por causa de um milhão de refugiados.
“A globalização é o alvo dos populismos, mas o que destrói empregos não é a globalização, o que destrói empregos é digitalização, mas é mais fácil dizer que se vai repor fronteiras do que dizer que se vai acabar com o Google”, afirmou o ex-ministro que admite uma Europa a duas velocidades, mas que avisa que “no euro não pode haver duas velocidades”.