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Em Nome da Lei

Registo de doentes oncológicos “não vai mudar nada no panorama do cancro em Portugal”

04 fev, 2017 - 13:36 • Marina Pimentel

Governo quer criar uma base de doentes oncológicos a nível nacional, mas os especialistas não consideram a medida prioritária.

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A criação de um Registo Nacional de Doentes Oncológicos “não vai mudar nada no panorama do cancro em Portugal”, defende o presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto.

José Maria Laranja Pontes admite que “é um sinal de civilidade, até de eficiência, mas não vai mudar as estatísticas de tratamento porque essas têm que ver com recursos humanos e infra-estruturas que, felizmente, já existem nos nossos hospitais diferenciados”.

A Assembleia da República já aprovou na generalidade a proposta de lei do Governo que cria uma base de dados a nível nacional. A proposta está agora em sede de comissão da especialidade.

A base de dados vai incluir informação de todos os doentes de cancro diagnosticados e tratados em Portugal, seja em hospitais públicos, seja em instituições privadas. Dela vão constar todos os novos casos, mas também os já estão nos registos regionais que existem desde 1988.

Laranja Pontes, que coordena o registo do Norte do país, teme que o trabalho feito pelo seu serviço ao longo de 30 anos se perca com a centralização em Lisboa. Cita o caso do Reino Unido, cujo procedimento foi diferente: criou um registo nacional mas “não pôs em causa os registos regionais que existem”.

O oncologista afirma que, pelo contrário, “em Portugal, parece que só existe o que existe em Lisboa”. “E isso não é verdade. Neste momento o nosso registo é altamente eficiente. Está incorporado em projectos de investigação ao nível europeu. E isso é um activo que não se pode deitar fora porque alguém decidiu fazer mais um investimento centralizado em Lisboa”, defende.

Também o presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Vítor Veloso, tem dúvidas sobre a necessidade do Registo Nacional de Doentes Oncológicos proposto pelo Governo. E diz que “só por razões políticas” vai ficar em Lisboa, quando se sabe que “a maior e melhor base de dados funciona no Porto”.

Existem actualmente no Continente três bases de dados regionais. Mas “só a de Lisboa está devidamente registada”, sublinha a secretária-Geral da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).

Isabel Cruz explica que quando foram criadas, em 1988, “ foram até objecto de um acórdão do Tribunal Constitucional, porque se pretendia regular a matéria através de um decreto-lei (por parte do Governo) quando teria de ser através de uma lei (aprovada no Parlamento), uma vez que se trata de matéria relativa a direitos, liberdades e garantias”. Isabel Cruz adianta que, na altura, “o único registo que foi autorizado foi o de Lisboa “, além de que os outros (Norte e Sul) “têm pouca informação”, embora conste o “nome e a data de nascimento” do doente.

Na primeira versão da proposta do Governo também constava a identificação do doente oncológico pelo nome e data de nascimento. Mas, depois das advertências feitas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, ficou previsto que conste apenas o número de utente e do processo clínico.

A CNPD entende que, “por estar em causa informação de elevado valor económico, se cair nas mãos de seguradoras, banca, ou mesmo entidades patronais, pode representar um risco aumentado de discriminação para os doentes oncológicos”. No seu parecer, que é obrigatório mas não vinculativo, propõe que os dados sejam encriptados.

Também a Liga Portuguesa Contra o Cancro receia que o registo nacional “ aumente o risco de discriminação negativa dos doentes com cancro”. Vítor Veloso diz que “não serve de nada o Governo ter suprimido o nome e a data de nascimento da sua proposta inicial. Basta constar o número de utente para haver risco de violação da privacidade”.

Vítor Veloso revela que a grande maioria das perguntas que a Linha Cancro recebe são casos de discriminação e também defende que os dados sejam encriptados.

A deputada do PS Eurídice Pereira reconhece o risco e por isso admite que a informação venha a ser encriptada. Mas “apenas se ficar provado que essa possibilidade não compromete o objectivo do registo nacional oncológico”.

O presidente do IPO do Porto, o presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro, a secretária-Geral da Comissão Nacional de Protecção de Dados e a deputada do PS Eurídice Pereira estiveram no programa da Renascença “Em Nome da Lei” para debater a intenção do Governo de criar um Registo Nacional de Doentes Oncológicos.

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  • Miquelina Dias
    04 fev, 2017 Arronches 16:50
    Independentemente do registo oncológico faça se uma lei para proteger os doentes nomeadamente a nivel de reforma antecipada
  • António Miranda
    04 fev, 2017 Paço de Arcos 16:36
    Com a minha mulher aconteceu o contrário. Porque no IPO a lista de espera para a operação era de 6 meses, impossível para o tipo de carcinoma, teve de ir ser operada no particular. Regressou ao IPO para fazer a químio, mas quando se preparava para fazer a radio disseram que não tinham vaga. Fez no particular. Regressou ao IPO para a hormona terapia (Tamoxifeno) e consultas!
  • Luís Fernandes
    04 fev, 2017 Lisboa 15:55
    Essa informação seria extremamente valiosa para as companhias de seguros e bancos que pagariam uma pequena fortuna para ter acesso a esses dados. Não seria melhor manter o anonimato que existe neste momento? Se tiver uma qualquer doença não preciso de constar de uma base de dados preciso é de um tratamento eficiente e profissional que me ajude a superar a doença!

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