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Visitadores da pastoral penitenciária foram “tábua de salvação"

21 jan, 2017 - 17:00 • Paula Costa Dias

A história de José Silva marcou o segundo dia do Encontro Nacional da Pastoral Penitenciária.

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José Silva esteve três anos e sete meses preso na cadeia de Angra do Heroísmo por tráfico de droga.

Em pequeno ia à missa com os pais mas o hábito foi-se perdendo à medida que outros interesses o iam puxando para a vida terrena. Ao ponto de ter entrado no mundo da droga, o mesmo que o levou à cela da prisão.

Ali, além das paredes frias e dos olhares julgadores, encontrou quem lhe mudaria a vida. Deus. Os visitadores da pastoral penitenciária foram a “tábua de salvação”, diz o jovem cabo-verdiano.

Sem família na ilha, José Silva ansiava por chegar ao fim de semana para se encontrar com os visitadores e “aquela hora que eu passava com eles era tudo para mim”. Visitas habituais que se misturavam com outras esporádicas “nas festas, quando fazia anos eles faziam um bolo e iam lá cantar os parabéns”.

Gestos que levam o jovem a admitir que “fui bombardeado com amor e carinho”. E isso é o que faz as pessoas mudarem porque “uma pessoa por mais mal que fez, se for atacado com amor e carinho, tem de parar para pensar um bocadinho”.

A postura de não julgamento dos visitadores foi determinante, confessa o jovem, que salienta que “essas pessoas não querem saber o que é que eu fiz, essas pessoas estão simplesmente a mostrar amor e carinho e isso é que é importante.” E, assim, conseguem fazer vir ao de cima o melhor que a pessoa tem escondido lá dentro, ”conseguem cativar na pessoa outra perspectiva de vida, outra maneira de ver as coisas.”

No seu ponto de vista, “é por aí que a pessoa pode mudar” e não através do julgamento e da condenação.

Como provou Jesus Cristo em toda a sua breve vida. “O castigo só revolta a pessoa”, garante o ex-recluso.

“Nós precisamos de pessoas que olhem para nós com amor de mãe, foi esse amor de mãe que eu senti lá dentro por parte dos visitadores”.

Um apoio que não pediu mas que foi oferecido pelos próprios colaboradores da pastoral penitenciária. Começou por ir à missa e gostou tanto que “nos últimos anos já fui à missa mais vezes do que em toda a minha vida”. E se havia um dia em que não podia ir à missa “ficava triste”. Lembra-se de um desses dias. Foi quando a imagem de Nossa Senhora de Fátima esteve na cadeia. Devido a um problema administrativo, o seu nome não constava da lista dos reclusos que iriam assistir à celebração. Enquanto a missa decorria, as lágrimas corriam pela sua face. Uma situação que, ao menos, serviu para sentir, admite, “a necessidade de estar lá”. Agora, cada vez que vai à missa tem “uma sensação inexplicável de que só consegue ter uma noção quem a consegue sentir”.

“A minha vida mudou bastante” diz. “Já li a Bíblia umas três vezes do princípio ao fim, levo o meu filho de sete anos à catequese, rezo com ele e já aprendi muitas orações que não sabia”. “Hoje tenho outra vida”, diz, reconhecido, o jovem que pisou este sábado pela primeira vez o solo de Fátima, embora esteja há 27 anos a viver em Portugal.

Profundamente feliz, veio para contar a sua história no Encontro Nacional da Pastoral Penitenciária. E teve a sorte de se ter cruzado à entrada com a ministra da Justiça a quem deu conta da forma como o Estado abandona a vida dos ex-reclusos.

No dia em que saiu, depois de ter cumprido dois terços da pena, não tinha qualquer documentação válida, por isso, teve de ficar na ilha 11 dias. Só ao fim desse tempo e depois da mulher ter pago pela urgência na obtenção do passaporte é que conseguiu vir para o continente. Era antevéspera de Natal.

Sente que o Estado não cumpriu a sua obrigação e por isso tem a vida suspensa. “Eu cumpri as minhas obrigações, se eu saí com dois terços de pena cumprida é porque respeitei as regras. “E os meus direitos?”, questiona.

É que tem de esperar até Abril para o SEF legalizar a sua situação, até lá “não há vaga” no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Enquanto isso não pode trabalhar.

Francisca Van Dunem reconheceu que este tipo de situação, que afecta grande parte dos ex-reclusos, tem de ser resolvida. Por isso, está já agendada uma reunião com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Mais um problema que a ministra da Justiça quer ver resolvido e que José Silva encara como “um teste” à sua perseverança e à sua força de vontade.

Voltar ao tráfico? “Não, nem pensar!” diz, peremptoriamente. “Nem quero ouvir falar disso.”

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  • ir.isilda
    22 jan, 2017 Açores 18:58
    Vale a pena ...

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