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Opus Dei escolhe sucessor de Javier Echevarria

21 jan, 2017 - 13:10 • Ângela Roque

No dia em que começa a ser escolhido, em Roma, o novo responsável mundial do Opus Dei, o director do gabinete de imprensa da instituição em Portugal explica à Renascença como vai decorrer o processo de eleição e qual é a missão desta prelatura pessoal da Igreja Católica, que diz ser “aberta a todos”.

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Em Portugal desde 1946, o Opus Dei foi criado 18 anos antes, em Espanha, por São Josemaria Escrivá, e está hoje presente em mais de 60 países.

Tem quase 93 mil membros em todo o mundo e 57% são mulheres. Em Portugal, estas representam dois terços dos seus elementos.

Depois da morte de monsenhor Javier Echevarria, em Dezembro, vai agora ser eleito um novo responsável máximo para esta prelatura pessoal da Igreja Católica.

O director do gabinete de imprensa do Opus Dei em Portugal, Pedro Gil, falou à Renascença sobre o processo eleitoral e a ajuda que a instituição dá na formação dos cristãos.

Que representatividade é que tem o Opus Dei no mundo?

É uma instituição, vamos dizer assim, relativamente pequena. Estamos a falar de 92 mil membros em todo o mundo, sendo que a acção pastoral do Opus Dei, que está aberta a todos, é uma formação católica que ajuda as pessoas a encontrarem Deus no meio da actividade quotidiana, com acompanhamento espiritual, dias de retiro em silêncio, ajuda as pessoas a viverem a fé de uma forma consciente na vida comum. Por isso, há todo um universo de pessoas, para além das que são do Opus Dei, que beneficiam desta actividade pastoral. Estamos a falar, talvez, num universo de 600 mil pessoas no mundo todo.

E, não sendo membros, as pessoas podem contactar o Opus Dei?

Esse é um ponto que eu gostaria, até, de frisar, porque às vezes tem-se a impressão de que não, de que a Opus é uma coisa fechada. É um espaço aberto para todos.

Em que é que o Opus Dei se distingue, na sua actuação, em relação a outros movimentos e grupos da Igreja?

Bom, na Igreja todos temos o mesmo sangue, o mesmo património e, portanto, aquela frase que se aplica em tantas ocasiões de que "é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa" também se aplica. Os meios são, essencialmente, os mesmos, há sempre um ênfase especial. No Opus Dei, aquilo que se sublinha é considerar que, assim como Jesus Cristo viveu até à idade adulta, 30 anos, uma vida corrente, tão normal que ninguém sabia que ele era filho de Deus, da mesma maneira devemos valorizar muito a nossa actividade quotidiana, e que esse é um espaço onde a união com Deus pode ser plena. Muitas vezes, as pessoas têm uma certa nostalgia e pensam "quem me dera a mim ter uma vida diferente para poder estar mais junto de Deus". Ora, não é preciso afastar-se da confusão da vida diária. Tem é que haver um esforço por conseguir fazer uma integração harmoniosa de Deus no meio da vida quotidiana. E essa é a ajuda que o Opus Dei dá, aquilo que se chama a santificação do trabalho, ajudar a ver como é que no meio do burburinho da vida se consegue encontrar espaço para ter uma relação activa com Deus.

E dão essa ajuda de que forma?

Com direcção espiritual, acções de formação regulares, todas elas orientadas para se ter um maior conhecimento e uma meditação das escrituras, para ter uma vida estruturada de oração, com as práticas que são comuns e tradicionais na Igreja, mas que levem as pessoas a aproximarem-se e saborearem a eucaristia, se possível diariamente, ter o acesso ao sacramento da confissão com regularidade - o Papa sugere de 15 em 15 dias, para dar um exemplo -, para conhecer livros que transmitam património cristão e ajudem a construir uma mente marcada pelo cristianismo, ter amor a nossa Senhora e, portanto, aquelas práticas tradicionais como o terço. E, depois, que as pessoas transformem isso numa vida mais penetrada por Deus. Isso, obviamente, obriga a viver descentrado de si próprio, a tentar que os outros sejam uma prioridade.

No fundo é ajudar as pessoas a serem melhores cristãos?

Sim, tendo em conta que, podemos dizê-lo, esse é um dos grandes desafios que a Igreja tem hoje. Nós vivemos como se Deus não existisse e, mesmo quando pensamos em Deus, temos um certo conceito de desconfiança. Ora, Deus é muito melhor do que nós pensamos e o Papa Francisco é aquilo que, até pela sua própria pessoa, vem transmitir. Quer dizer, Deus é próximo, é de confiança, é todo um Deus de ternura, e nós somos filhos de Deus e isso é um coisa que só pode ser uma boa notícia para todos.

Também têm iniciativas no âmbito da solidariedade, sócio-caritativas, de educação e saúde. Nalguns países têm essas missões?

Efectivamente, o fundador do Opus Deis pensou que se pudessem fazer actividades para assistência a outras pessoas, do ponto de vista educativo ou assistencial médico, ou, até, do ponto de vista formativo e intelectual, como uma universidade. Há casos em que o Opus Dei até assume publicamente uma relação com essas instituições. Vou dar aqui um exemplo, em Portugal temos a residência Montes Claros, uma residência universitária em Lisboa, ali perto de Sete Rios, e existem também os colégios para formação de alunos do ensino secundário, o colégio Planalto e o Mira Rio. Como em Portugal as iniciativas privadas de educação são bastante dificultadas porque não têm apoio estatal - e estes colégios, ainda por cima, são de ensino diferenciado, para rapazes e raparigas, não podem contar com apoio estatal -, isso obriga que se dirijam não a todas as pessoas, mas só a quem tenha possibilidades. Mas muitas escolas destas em todo o mundo, relacionadas com a Opus Dei, estão muito marcadas com a ideia de servir a todos e, portanto, em concreto àqueles que são mais necessitados.

Há ideia de que só pertencem à Opus Dei pessoas com algum poder e com algum dinheiro. É um preconceito?

Há ideias preconcebidas. Quando eu informo as pessoas de que, por exemplo, aqui em Portugal dois terços das pessoas são mulheres, as pessoas ficam surpreendidas. Mas há cada vez mais uma maior variedade social das pessoas do Opus Dei. Neste momento, são 1.500, não são tantas assim, e pode haver uma preponderância de pessoas da classe média, certamente. Ora, a sociedade não é assim, há muita gente com menos recursos, mas eu creio que o Opus Dei, à medida que vai crescendo, vai cada vez mais estando presente em todas as pessoas que trabalham, independentemente do seu estatuto económico. Nós temos que ter uma visão alargada. Em cada país, o fundador da Obra, S. Josemaria Escrivá, imaginava que se começasse com universitários, porque parte dos membros do Opus Dei são celibatários, para estarem mais disponíveis para ajudar outras pessoas na formação católica. Portanto, começa-se, habitualmente, com universitários, mas, a partir desse arranque inicial num país, a ideia é chegar a cada vez mais pessoas, de todas as actividades.

Qualquer pessoa pode pertencer ao Opus Dei?

Sim, um cristão que viva no meio do mundo, que queira trabalhar.

Porque é que o Opus Dei é uma Prelatura pessoal?

É uma das formas que a Igreja tem de se organizar. Nós sabemos que a Igreja é universal, é católica, mas, ao mesmo tempo, também é uma rede de Igrejas, que são as dioceses. Existem, além disso, outras instituições que são da Igreja universal e que estão ao serviço das igrejas particulares, das igrejas locais, das dioceses. Uma delas é a prelatura. Tem algum parentesco com aquilo que é uma diocese, mas as pessoas que são da prelatura são também da diocese e muitas delas até colaboram activamente nas paróquias, só que recebem este complemento formativo, assim como há outras ajudas que podem obter noutras instituições da Igreja. Portanto, é um serviço que a Igreja presta às dioceses pela formação dos cristãos, complementar à paróquias, que os ajuda a serem mais filhos de Deus no seu âmbito de vida.

Vai ter início o processo para a eleição do próximo prelado do Opus Dei. É um processo muito complicado?

É um processo que tem várias fases. A mais importante é, evidentemente, a nomeação pelo Papa. O prelado do Opus Dei é nomeado pelo Papa, mas tem uma indicação prévia que vem da seguinte sucessão de actos: em primeiro lugar, há uma reunião do órgão central de governo das mulheres do Opus Dei, que se chama Assessoria Central, na sua versão alargada, isto é, incluindo as que têm a função de delegadas e são elemento de ligação entre o governo central e os vários países, ou circunscrições, em que o Opus Dei está presente no mundo.

Então, a primeira palavra é das mulheres?

A primeira palavra é das mulheres, e são 38. Cada uma vai escrever num papel um nome daquelas pessoas entre as elegíveis que consideram as adequadas para a função. Esse voto é um voto escrito e secreto, que é colocado numa urna fechada. Essa primeira fase decorre dia 21 de Janeiro. Depois, no dia 23, decorre o Congresso electivo. Um conjunto de fiéis do Opus Dei, padres e leigos, que são 156 pessoas, vão fazer a eleição. No dia 23, a primeira coisa que vai ser feita é abrir essa urna com os votos que vieram da Assessoria Central e passar a ler o voto, um a um. São meras indicações que hão-de ter a força que tiverem na altura, mas será um grande elemento para ponderação das pessoas que vão ter de votar. A partir desse dia, há algumas sessões de votação ao longo do dia, com intervalos para troca de impressões entre as pessoas que estão presentes e, depois, quando essa eleição for feita, seja ou não naquele dia, o próprio eleito deverá considerar se aceita ou não e, aceitando, terá de o comunicar ao Papa, para que o Papa confirme.

Qual é a duração prevista para esta eleição? É imprevisível?

Nós só sabemos que das duas vezes anteriores a eleição foi rápida. Portanto, ao fim de um dia já estava feita a eleição. Estamos a falar primeiro da eleição daquele que era o braço direito do fundador e, depois, daquele que a seguir ao braço direito era a pessoa mais próxima do fundador.

Neste momento, é mais complicada a escolha?

Não é mais complicada, mas temos um âmbito mais alargado, no sentido em que há cada vez mais pessoas que tiveram uma relação distante com o fundador ou não tiveram em absoluto. É natural que haja um maior leque de ponderação.

E quem é que pode ser escolhido? Há critérios para ser elegível?

Sim. Tem de ser um sacerdote com 40 ou mais anos de idade, com dez anos ou mais de pertença ao Opus Dei e com cinco anos ou mais de sacerdote. Depois, deve ter um conjunto de condições que já não são assim tão objectivas de verificar, mas que passam por ser uma pessoa disponível para ser pessoa de oração, caritativa, cuidadosa, com uma cultura eclesiástica e civil suficiente para ter instrumentação para ler o mundo e ajudar a missão da Igreja.

Isso está tudo previsto nos estatutos da Opus Dei?

Exactamente. Foi a Santa Sé que os elaborou e entregou à prelatura.

Há muitos candidatos "elegíveis"?

As pessoas que reúnem estes requisitos, sobretudo quanto à idade, são 94.

Há algum português?

Sim. Congressistas portugueses há cinco, dos quais quatro são padres. Julgo que todos preenchem estes requisitos.

Depois da eleição, o que é que se segue?

A seguir à eleição do prelado, aproveita-se o facto de estarem presentes em Roma todos aqueles congressistas e faz-se um congresso ordinário, um órgão de governo do Opus Dei, normal, que se reúne a cada oito anos. Este congresso tem por missão ajudar o prelado na escolha dos novos colaboradores que vão estar nos órgãos do governo central, e também se pode fazer uma renovação dos órgãos de governo das várias regiões. Depois, far-se-á também uma reflexão sobre o estado da prelatura e a orientação das actividades de postulado e pastorais que devem ser desenvolvidas para os próximos oito anos. Tudo isso, evidentemente, tendo em conta que o Opus Dei, como parte da Igreja, tem de estar em sintonia com as novas orientações que o Papa Francisco dá à Igreja.

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  • João Lopes
    21 jan, 2017 Viseu 19:01
    Apreciei ler esta entrevista, pela sua oportunidade, clareza e objetividade!

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