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​Um olhar português sobre o Brasil, onde “até o passado é incerto”

26 dez, 2016 - 23:08 • Eunice Lourenço

Ricardo Castanheira considera que 2017 será um ano crítico no Brasil, explica o “momento único” que o país vive e defende que Portugal deve aprofundar a relação bilateral e aproveitar melhor a rede de emigrantes que tem no mundo.

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Ricardo Castanheira entrevistado por Eunice Lourenço

Um país com uma “grande capacidade de regeneração”, onde tanto o optimismo como a corrupção são endémicos, que está a viver um “momento único”, mas que pode ter um “ano especialmente crítico” em 2017. É assim que Ricardo Castanheira vê o Brasil, onde vive há seis anos.

Este antigo deputado do PS é hoje director-geral da Motion Pictures para a América Latina. Veio a Portugal passar o Natal, mas também para participar no primeiro encontro de investidores da diáspora, que considera um primeiro passo para que Portugal passe a aproveitar melhor a rede de emigrantes que tem no mundo.

“O Brasil é um país com grande capacidade de regeneração”, diz Ricardo Castanheira em entrevista à Renascença, como que fazendo profissão de fé no país antes de traçar o quadro da situação política e social que o faz pensar que 2017 “vai ser um ano especialmente crítico no Brasil”.

Por um lado, não há recuperação económica, o investimento externo “não está a ancorar” e 40 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza. “São quatro ‘portugais’”, afirma, lembrando em seguida que muitos brasileiros tiveram alguma ascensão social nos últimos 10, 15 anos e que foi isso que dinamizou a economia brasileira, mas agora muito “voltaram ao ponto de partida”, ou seja à pobreza e isso cria desilusão, “altera o sentido da vida e da esperança de forma muito perigosa”, o que o faz ter “quase a certeza” que a tensão social vai aumentar no ano que vem.

Por outro lado, todos os dias são conhecidos novos casos de corrupção, não se sabe quando a Operação “Lava Jato” vai acabar nem quantas pessoas irá alcançar. “Quando observamos que o ex-presidente da Câmara de Deputados está preso, o actual presidente do Senado tem nove processos na Corte Suprema, o actual Presidente da República tem uma suspeição imensa a pairar sobre si …. isto tem um impacto político que é a incerteza e tem consequências económicas: os investidores não investem, não se gera emprego”, analisa o antigo deputado socialista, eleito pela primeira vez em 1995.

“Vive-se um momento único”, resume Ricardo Castanheira, para quem “o sinal mais positivo” da actualidade brasileira é perceber-se que o combate à corrupção é uma opção estruturada, empenhada e séria, que há uma “determinação colectiva que não é apenas dos órgãos judiciais”.

No Brasil a corrupção é “endémica, sente-se até quase na organização da fila para uma repartição pública”, é uma questão cultural que só se resolve com educação, “a reforma das reformas”, diz Ricardo Castanheira, que também manifesta preocupação com a “judicialização da sociedade” e com o populismo que se vai manifestando em elogios à ditadura militar.

“O nível de imprevisibilidade é muito grande”, afirma, não arriscando fazer previsões a longo prazo sobre o Brasil. Prefere lembrar o livro de Stefan Zweig, “Brasil um país do futuro”, mas também cita Pedro Malan, antigo ministro da Fazenda (Finanças) que disse: “No Brasil até o passado é incerto.”

Quanto às relações entre Portugal e Brasil, considera que “está ainda tudo por fazer” e que os dois países devem explorar a relação bilateral e não estar à espera de acordos entre o Mercosul e a União Europeia. Reconhece que nos anos de Dilma Rousseff, a relação foi mais difícil, mas agora as personalidades de Marcelo Rebelo de Sousa e de Michel Temer ajudam. Além disso, “o Brasil está mais humilde e Portugal está um pouquinho melhor”, pelo que é preciso aproveitar a fazer andar relações comerciais que ficam mutas vezes emperradas no proteccionismo brasileiro.

Mas para isso, continua, é preciso investir mais e, por exemplo, não ter apenas um delegado da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) naquele imenso país. Portugal, defende, deve usar a imensa rede de associações e câmaras de comércio em que os portugueses participam no Brasil. No Brasil e no mundo, porque a mais recente vaga de emigração espalhou portugueses qualificados por vários países onde podem trabalhar pelos interesses da economia e da cultura portuguesas.

“Há uma rede por explorar” e pronta a ajudar, garante este português que diz que a saudade só se percebe bem quando se sai de Portugal e que os portugueses não têm noção de como o seu país é bom para viver. Só falta, conclui, ser melhor para trabalhar.

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