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América à procura de motivação política nos crimes de sábado

18 set, 2016 - 00:13 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Ignora-se ainda se os três actos de violência terão sido articulados.

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Bomba explode no coração de Nova Iorque
Bomba explode no coração de Nova Iorque

Os Estados Unidos foram palco este fim-de-semana de três acontecimentos violentos que poderiam ter inscrito o sábado, dia 17 de Setembro, entre as datas mais negras do país.

Três acontecimentos que não provocaram vítimas mortais por mero acaso e que vistos isoladamente poderiam ser minimizados, mas o facto de terem ocorrido no mesmo dia faz deles motivo para todas as especulações e preocupações.

Logo pela manhã, a polícia de Nova Jérsia detectou uma pequena bomba caseira junto do local onde ia começar uma corrida organizada por marines e pelas suas famílias. Se tivesse explodido, o engenho poderia ter causado várias vítimas, incluindo certamente crianças, e seria o primeiro de um dia marcado pela violência.

À noite, na pequena cidade de St. Cloud, no Minnesota, um estado situado no Midwest, encostado ao Canadá, um homem entrou num centro comercial e esfaqueou nove pessoas. Segundo testemunhas, o homem terá perguntado a algumas das vítimas se eram muçulmanas e mais tarde o autoproclamado Estado Islâmico (ISIS) reivindicou-o como um “soldado” das suas fileiras terroristas. Envergava uma farda de uma empresa de segurança, mas por acaso estava no centro comercial um polícia fora de serviço, sem farda portanto, mas com a pistola, que o abateu antes que ele pudesse fazer vítimas mortais.

Cerca das 20h30, na rua 23 de Manhattan, explodiu uma bomba que provocou 29 feridos, a uma hora em que o movimento é intenso, os restaurantes estão cheios e inúmeras lojas abertas. Segundo testemunhas oculares, o impacto da bomba foi muito forte, partiu inúmeros vidros dos prédios próximos e provocou o choque entre alguns carros. Quis o acaso que não tivesse feito vítimas mortais, mas o local era propício a um massacre. Os 29 feridos tiveram já alta do hospital.

Nas horas seguintes, foi descoberta uma outra bomba num contentor de lixo na rua 27, apenas quatro quarteirões adiante. Artesanal, a bomba consistia numa panela de pressão ligada a um telemóvel que actuaria como detonador. Se tivesse explodido poderia ter causado vítimas mortais, embora estivesse numa rua com muito menos movimento.

Num país em que todos os dias morrem dezenas de pessoas vítimas de homicídio, um balanço de zero baixas depois destes três actos de violência poderia remetê-los rapidamente para o esquecimento. Mas o facto de terem ocorrido no mesmo dia e dois deles, pelo menos, poderem ter motivações políticas muda todo o cenário.

Por definição os investigadores não acreditam em coincidências e todas as especulações são possíveis neste momento sobre a eventual ligação entre os três acontecimentos. O que permanece mais obscuro é, por ora, o de Nova Iorque, cujas bombas estavam colocadas em locais sem qualquer simbolismo na cidade, o que abre a hipótese de não se tratar de algo com motivações políticas.

No entanto, segundo os especialistas, o facto de haver duas bombas bem próximas – e de até se poder pôr a hipótese de a bomba de Nova Jérsia ter sido colocada pela mesma pessoa – sugere haver algum grau de organização e um objectivo concreto. Não parece ser apenas o acto desesperado de um psicopata com motivações exclusivamente pessoais.

O “mayor” de Nova Iorque Bill de Blasio recusou-se a falar em terrorismo, preferiu chamar-lhe um “acto intencional” e esperar pelo desenrolar das investigações. Mas o governador do Estado, Andrew Cuomo, falou em terrorismo, excluindo apenas ligações internacionais.

Ignora-se em que se baseou Cuomo para fazer tal afirmação, mas o facto de ter sido o único a usar o termo terrorismo e ter excluído ligações internacionais leva a crer que o governador do estado se fez eco – talvez imprudentemente – da convicção que haverá no seio dos investigadores.

O facto de os engenhos de Nova Iorque serem artesanais, semelhantes aliás aos dos dois irmãos que em 2013 atacaram a maratona de Boston, permite pensar que estaremos talvez perante o fenómeno mais comum hoje nos ataques feitos por jihadistas no Ocidente: os chamados lobos solitários.

Pessoas que se radicalizam sozinhas, não possuem qualquer rede de apoio, não estabelecem contactos por via electrónica com ninguém para não serem detectados, mas que encontram no ISIS inspiração para agir de forma violenta.

E se no caso de Nova Jérsia haveria a motivação do ataque a marines e suas famílias, no caso de Nova Iorque e do Minnesota o alvo seriam civis anónimos como sucedeu recentemente em Nice, Paris e Bruxelas.

Mas no caso de Nova Iorque não há, por ora, qualquer pista que permita dar uma conotação política ao que sucedeu. Excepto eventualmente se pensarmos que a Assembleia Geral das Nações Unidas abre aqui esta segunda-feira e nela comparecem centenas de chefes de Estado e de Governo de todo o mundo, incluindo o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa.

Naturalmente protegidos por dois oceanos, com um aparelho policial mais eficaz e muito mais centralizado do que os dispersos serviços de “inteligence” europeus, sem a pressão dos refugiados provenientes do Médio Oriente, os Estados Unidos têm condições bem melhores do que a Europa para evitar atentados terroristas em grande escala. Sobretudo desde que tomaram medidas drásticas de vigilância no pós 11 de Setembro.

Mas, como se sabe, uma coisa é a segurança dos cidadãos, outra é a percepção que os cidadãos dela têm. Duas realidades que raramente coincidem, especialmente se houver demagogos a agitar permanentemente o fantasma do terrorismo para obter dividendos políticos.

E são acontecimentos como o deste fim-de-semana – ou porventura outros semelhantes que possam surgir daqui até às eleições de Novembro – que criam um terreno propício ao florescimento desse tipo de demagogias.

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