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"Não me vejo como um fracassado”. Bento XVI fala da renúncia ao papado e também da morte

09 set, 2016 - 11:30 • Aura Miguel com Ecclesia

“O governo prático não é o meu forte, essa é com certeza uma fragilidade. Mas não me vejo como um fracassado”, diz Bento XVI na obra "Últimas conversas", um novo livro-entrevista do jornalista Peter Seewal. Joseph Ratzinger assume que se prepara para a morte: "Procuro fazê-lo, pensando sempre que o fim está próximo."

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O Papa emérito Bento XVI afirma, num novo livro-entrevista ao jornalista alemão Peter Seewald, que a sua renúncia ao pontificado, em 2013, foi uma decisão amadurecida, que não vê como um “fracasso”.

“O governo prático não é o meu forte, essa é com certeza uma fragilidade. Mas não me vejo como um fracassado”, sublinha, numa passagem da obra "Últimas conversas", divulgada esta sexta-feira pelo jornal italiano "Corriere della Sera".

O Papa emérito percorre vários temas do seu pontificado, em colaboração com o jornalista alemão Peter Seewald, com quem já tinha trabalhado em 2010 para o livro-entrevista "Luz do mundo".

“Houve momentos difíceis: basta pensar, por exemplo, no escândalo da pedofilia e no caso Williamson, ou também no escândalo Vatileaks, mas em geral foi também um período em que muitas pessoas encontraram um novo caminho para a fé e houve também um grande movimento positivo", assinala.

Na nova obra, o Papa emérito fala de si, da Igreja, dos momentos difíceis do seu pontificado, da "grande surpresa" que foi para si a eleição do Papa Francisco e da sua preparação para morte, entre vários outros temas. No texto de apresentação da edição italiana, refere-se que este volume constitui "o testamento espiritual, o legado íntimo e pessoal do papa que mais do que nenhum outro conseguiu atrair a atenção quer dos fiéis quer dos não-crentes para o papel da Igreja no mundo contemporâneo".

No site do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, são sublinhados alguns excertos das declarações do Papa:


O texto da renúncia
"O texto da renúncia fui eu que o escrevi. Não posso dizer com precisão quando, mas no máximo duas semanas antes. Escrevi-o em latim porque uma coisa tão importante faz-se em latim. Além disso, o latim é uma língua que conheço suficientemente bem para poder escrever de forma condigna. Poderia também tê-lo escrito em italiano, naturalmente, mas havia o perigo de cometer algum erro."

Não fui chantageado
"Não se tratou de uma retirada sob a pressão dos acontecimentos ou de uma fuga devido à incapacidade de lhes fazer frente. Ninguém procurou chantagear-me. Nem sequer o teria permitido. Se o tivessem tentado, não teria saído porque não se deve deixar quando se está sob pressão. E também não é verdade que estava desiludido ou algo semelhante. Na verdade, graças a Deus, estava num estado de alma pacífico de quem ultrapassou as dificuldades. O estado de alma em que se pode passar tranquilamente o leme a quem vem depois."

Felicidade pelo sucessor
"O meu sucessor não quis a mozeta vermelha. Isso não me tocou minimamente. O que me tocou, em vez disso, é que já antes de sair para a varanda [da basílica de S. Pedro] quis telefonar-me, mas não me encontrou porque estávamos precisamente diante da televisão. O modo como rezou por mim, o momento de recolhimento, depois a cordialidade com que saudou as pessoas, de tal maneira que a faísca, por assim dizer, se inflamou imediatamente. Ninguém esperaria que fosse ele. Eu conheço-o, naturalmente, mas não pensei nele. Neste sentido foi uma grande surpresa. Não pensei que estivesse no grupo restrito dos candidatos. Quando ouvi o nome, fiquei primeiramente inseguro. Mas quando vi como falava, por um lado com Deus, por outro com os homens, fiquei verdadeiramente contente. E feliz."

Ponto fraco
"Cada pessoa tem o seu próprio carisma. Francisco é o homem da reforma prática. Foi arcebispo durante muito tempo, conhece o mester, foi superior dos Jesuítas e tem também o ânimo para meter mão em acções de carácter organizativo. Eu sabia que esse não é o meu ponto forte."

A recusa do fracasso
"Um ponto frágil meu é talvez a pouca resolução no governar e tomar decisões. Aqui, na realidade, sou mais professor, alguém que reflecte e medita sobre questões espirituais. O governo prático não é o meu forte e esta é, certamente, uma fragilidade. Mas não consigo ver-me como um fracassado. Durante oito anos desempenhei o meu serviço. Houve momentos difíceis, basta pensar, por exemplo, no escândalo da pedofilia e no caso Williamson, ou também no escândalo Vatileaks; mas em geral foi também um período em que muitas pessoas encontraram uma nova via para a fé e foi também um grande momento positivo."

O momento da Igreja
"A eleição de um cardeal latino-americano significa que a Igreja está em movimento, é dinâmica, aberta, tendo diante de si perspectivas de novos desenvolvimentos. Que não está congelada em esquemas: acontece sempre alguma coisa de surpreendente, que possui uma dinâmica intrínseca capaz de a renovar constantemente. O que é belo e encorajador é que precisamente no nosso tempo acontecem coisas que ninguém esperava e mostram que a Igreja está viva e transborda de novas possibilidades."

As mudanças na Igreja
"É evidente que a Igreja está a abandonar cada vez mais as velhas estruturas tradicionais da vida europeia e portanto muda de aspecto e nela vivem novas formas. É claro sobretudo que a descristianização da Europa progride, que o elemento cristão desaparece cada vez mais do tecido da sociedade. Consequentemente a Igreja deve encontrar uma nova forma de presença, deve mudar o seu modo de se apresentar. Estão em curso reviravoltas epocais, mas não se sabe ainda a que ponto se poderá dizer com exactidão que começa uma ou outra."

Sobre o grupo de pressão homossexual no Vaticano
"Efectivamente foi-me indicado um grupo, que entretanto dissolvemos. Tinha sido assinalado no relatório da comissão de três cardeais que se podia individuar um pequeno grupo de quatro, talvez cinco pessoas. Dissolvemo-lo. Formaram-se outros? Não sei. Seja como for é certo que no Vaticano não pululam casos semelhantes."

Preparação para a morte
"É preciso preparar-se para a morte. Não no sentido de realizar determinados actos, mas de viver preparando-se para ultrapassar o último exame diante de Deus. Ao abandonar este mundo e encontrar-se diante dele e dos santos, dos amigos e dos inimigos. A, digamos, aceitar a finitude desta vida e colocar-se a caminho para chegar à presença de Deus. Procuro fazê-lo pensando sempre que o fim está próximo. Procurando preparar-me para esse momento e sobretudo tendo-o sempre presente. O importante não é imaginá-lo, mas vivê-lo na consciência de que toda a vida tende para este encontro."

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  • Doutor da Igreja
    09 set, 2016 Parede 15:34
    Ratzinger fica na história como um grande doutor da Igreja. Na sua renuncia faz lembrar S.Francisco de Assis, que tal como ele era franzino, foi muito combatido pelo mundo e renunciou ao cargo de superior geral da Ordem dos Frades Menores.

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