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​Vitorino explica acordo da Caixa. Europa "não quer problemas com banca portuguesa"

26 ago, 2016 - 13:25

O jurista que foi comissário europeu explica as motivações das instituições comunitárias para subscrever um acordo que permite ao Estado capitalizar um banco público sem que isso seja considerado uma "ajuda de Estado". Vitorino, indicado para a administração do Santander, deixa conselhos à banca privada sobre o impacto do acordo no sistema financeiro português.

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O antigo comissário europeu António Vitorino acredita que a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE) aceitaram a recapitalização pública da Caixa por algum receio de contágio de uma crise no sistema financeiro português.

No programa "Fora da Caixa" da Renascença, onde semanalmente analisa temas europeus com Pedro Santana Lopes, o antigo ministro socialista reconhece que as instituições europeias estavam cientes dos riscos do processo para a própria União Europeia.

"Nem Bruxelas nem Frankfurt querem problemas com o sistema bancário português. Têm consciência que está numa situação difícil, complexa, delicada. Um problema com a Caixa Geral de Depósitos teria um efeito de contaminação de todo o sistema bancário português. Desencadear uma crise bancária num país ainda que periférico como Portugal podia ter efeitos imprevisíveis no conjunto da União. Acho isso pesou também nesta decisão", analisa António Vitorino.

O jurista, que foi comissário europeu na viragem do século, considera que a "decisão curiosa" da Comissão Europeia e do BCE contêm uma exigência suplementar dirigida à Caixa Geral de Depósitos.

"’Nós fomos simpáticos mas não abusem', é esta a moral do que lá vem escrito. Foram aplicadas as regras sobre ajudas de Estado ao sector bancário numa interpretação muito flexível mas tudo está sujeito a resultados. Isso cai sobre os ombros da nova equipa de gestão", alerta António Vitorino.

Banca privada deve aproveitar em vez de lamentar

Há mais vida para além da Caixa no sistema financeiro português e uma solução para o banco público faz parte da solução para os problemas desse mesmo sistema, diz António Vitorino.

"Falta tratar da saúde do sistema bancário para além do problema da Caixa. É muito útil que se tenha resolvido o problema da Caixa, mas agora falta o resto. O resto vai ter que ser tratado pelas instituições portuguesas, pelo regulador e pelo Governo português, em diálogo com Bruxelas", complementa o destacado militante do PS.

O jurista, indicado para a administração de um banco privado - o Santander -, aconselha as restantes instituições financeiras a reflectir sobre os benefícios deste entendimento para todo o sector.

"Percebo que os outros bancos privados estejam incomodados com a lógica potencial de distorção de concorrência. Mas deviam ver nesta oportunidade uma janela aberta para também haver uma resolução do conjunto da situação do sistema bancário português. Cria um padrão, um ‘benchmark’ que agora também as outras instituições bancárias e financeiras poderão reivindicar ", observa António Vitorino.

Em defesa do perfil dos administradores

O militante do PS reconhece que o Governo foi inábil na insistência em nomes que esbarravam em condições impostas pelos diversos enquadramentos legais.

"Estas coisas não são ‘one shot’, não são um único tiro mas um processo. A partir do momento em que se percebia que havia ali um problema sério - não na questão dos cursos que me parece um problema menor mas no número de pessoas na lógica do modelo de governação - acho que teria sido mais razoável ter feito logo agulha para evitar que os nomes tivessem vindo a ser divulgados ‘às pinguinhas’ ao longo do tempo, o que deixa as pessoas que ficam fora do elenco numa situação desconfortável", afirma António Vitorino.

O advogado socialista que foi proposto para a administração do Santander considera que a escolha de administradores sem origem exclusiva na banca é vantajosa para os próprios bancos.

"É completamente incompreensível que se pretenda que na administração de um banco estejam apenas pessoas do sector financeiro. Se calhar uma das razões pelas quais temos hoje tantos problemas com os bancos, é porque eles são alheios à economia real. Haver pessoas da economia real que estão nos bancos só pode ser uma mais-valia para os próprios bancos", assegura o comentador da Renascença.

Recapitalização não pesa no défice

Sobra a questão de saber se a injecção de capital público na Caixa Geral de Depósitos vai carregar o défice português, o primeiro-ministro, António Costa, acredita que não e António Vitorino pede diplomacia na argumentação junto do Eurostat, entidade independente que vai certificar o défice português na óptica de Bruxelas.

"O Governo não pode agora descurar a necessidade de garantir que esta solução aprovada pela Direcção-Geral da Concorrência em Bruxelas não é mal interpretada pelo Eurostat. Esta injecção de liquidez não contará para o défice. Outra coisa são os prejuízos acumulados, esses são outra história", sentencia Vitorino.

Na edição desta semana do programa "Fora da Caixa", o antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes diz que o acordo com as instituições comunitárias sobre a recapitalização da Caixa é mais uma "geringonça" de António Costa que permite ultrapassar problemas com recurso a soluções engenhosas.

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