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“Dois anos depois, não imaginaria que os refugiados cristãos continuariam aqui”

09 ago, 2016 - 08:00 • Oliver Maksan/AIS

O padre Andrzej Halemba acompanhou os cerca de 120 mil cristãos que fugiram de Mossul quando este foi ocupado pelo Estado Islâmico. Hoje, são cada vez menos os que acreditam num futuro no Iraque.

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Quando, há dois anos, o autoproclamado Estado Islâmico ocupou Mossul no espaço de horas, perante a fuga desordenada dos militares iraquianos, começou um verdadeiro pesadelo para mais de 100 mil cristãos que viviam naquela cidade.

Alguns fugiram de imediato, outros esperaram para ver o que se iria passar, mas, quando as suas casas começaram a ser marcadas com a letra N em árabe, identificando os donos como “nazarenos”, percebeu-se que a situação iria piorar. Da noite para o dia, os cristãos receberam um aviso dramático: deveriam converter-se, partir ou, então, ficar e pagar um imposto impossível de suportar. Quem não o fizesse seria morto.

Deu-se um êxodo. Pelo caminho, militantes do Estado Islâmico pararam carros e roubaram tudo o que de valor os cristãos transportavam. O destino dos que conseguiram escapar foi o Curdistão iraquiano e uma das primeiras organizações a chegar ao local para os ajudar foi a fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).

Dois anos depois, o padre Halemba, coordenador das operações da AIS no Médio Oriente, explica à Renascença qual é a situação actual no terreno.


Visitou o Iraque pouco depois da fuga dos cristãos da Planície de Nínive. Na altura, o que encontrou?

Naturalmente foi uma situação terrível. Nos primeiros dias as pessoas dormiam no chão. As temperaturas no Iraque em Agosto eram insuportáveis, perto dos 50 graus. As pessoas estavam traumatizadas e muito agressivas. Juntava-se a isto o facto de se sentirem traídas, não só pelos seus vizinhos muçulmanos que colaboraram com o Estado Islâmico e pilharam as suas aldeias, mas também pelos tropas peshmerga curdas, em quem tinham confiado para defenderem as aldeias. Quando os peshmerga retiraram, surpreendentemente e contra todas as promessas, foram deixados sem protecção e obrigados a fugir, por vezes em circunstâncias dramáticas. Lia-se tudo isto nos seus rostos.

A AIS chegou rapidamente ao terreno…
Sim. Nessa altura era uma questão de ajuda humanitária de emergência para mais de 120 mil cristãos. Inicialmente a Igreja local estava totalmente assoberbada. Mas com a ajuda de dadores internacionais como a AIS, a situação estabilizou relativamente depressa. Na altura eu não imaginaria que as pessoas continuariam a viver fora das suas casas ainda hoje. A situação política e militar no Iraque simplesmente não permitiu a libertação das áreas cristãs ocupadas pelo Estado Islâmico. Naturalmente isso irrita as pessoas. Muitas já tinham perdido, então, a sua esperança num futuro para o Iraque e simplesmente queriam ir-se embora. Pediram-me muitas vezes dólares e vistos de emigração.

Diz-se que é uma questão de tempo até se tentar libertar Mossul e a área circundante...

É verdade. E as pessoas esperam que assim seja. Contudo, isso poderá levantar novas dificuldades. Temos de ter em conta que Mossul é uma cidade com um milhão de habitantes. Se for lançado um assalto, centenas de milhares teriam de fugir dos combates. E para onde irão? Provavelmente para o Curdistão, que já está a rebentar pelas costuras. Mas também é provável que muitos dos sunitas de Mossul e das áreas circundantes entrem nas aldeias cristãs, que estão vazias, e procurem refúgio por lá. Isso poderá criar novas e inesperadas dificuldades; estarão dispostos a abandonar essas aldeias novamente se os cristãos voltarem? Actualmente isto é apenas uma possibilidade. Mas este cenário preocupa seriamente os bispos no Iraque. Os cristãos já sofreram muitas experiências más com ocupações de terrenos.

Qual é a situação dos refugiados hoje?
No geral, diria que as pessoas já não se sentem tão perdidos e agressivos. A Igreja está a fazer muita coisa por eles, tanto a nível espiritual como psicológico. Os padres, e sobretudo as freiras, estão próximos. As pessoas estão a viver com a situação. Não digo que queiram viver assim permanentemente, claro que não, mas já perceberam que não foram abandonadas. Estabelecemos escolas, e em breve teremos até escolas secundárias prontas a abrir. O objectivo é evitar que cresça aqui uma geração perdida, como acontece na Síria. Para além disso, a maioria das pessoas já não vive em tendas ou caravanas, mas em apartamentos e casas arrendadas. Com isto viram restaurada a sua dignidade e sentem que têm novamente um lar. Através da nossa ajuda alimentar e o seu próprio trabalho, já têm as suas necessidades básicas asseguradas. Mas naturalmente isto não pode continuar assim para sempre. Quanto mais durar este exílio, mais pessoas partirão. Muitos cristãos já abandonaram o Iraque.

De que números estamos a falar?
Não tenho números exactos. Mas dos aproximadamente 120 mil cristãos que fugiram inicialmente, muitos já saíram. No início ajudámos algumas 13.500 famílias. Hoje haverá menos quatro a cinco mil famílias, que partiram. Isso é doloroso, mas se não fosse a ajuda humanitária seriam ainda mais. Impressiono-me vezes e vezes sem conta pela força interior desta gente. Se fossem ajudados, muitos regressariam às suas aldeias libertadas.

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