Tempo
|
A+ / A-

D. José Cordeiro. "A Igreja precisa de se aproximar ainda mais de Jesus Cristo e do seu evangelho"

16 jun, 2016 - 21:49 • Olímpia Mairos

Em entrevista à Renascença, o bispo de Bragança-Miranda fala do dom do sacerdócio e sublinha sentimentos de “gratidão”, “alegria” e “muita esperança” pelos 25 anos de vida sacerdotal.

A+ / A-

Que sentimentos emergem ao celebrar 25 anos de sacerdócio?

É uma felicidade grata. E é neste fazer de memória grata que acontece este dia, com simplicidade, com autenticidade, mas com muita alegria e com muita esperança e, ao mesmo tempo, o louvor por Deus ter feito em mim misericórdia. O ser pastor, como o papa disse há pouco tempo, é alguém que sabe que o amor é tudo. E é nesta atitude que me coloco, não só hoje, mas na vida. Sei que o amor é tudo, porque sei que Ele me ama, que me escolheu e me acompanha, como a todos aqueles que são enviados em nome do mesmo e único mistério de Cristo. E este dia, para mim, é, sobretudo, uma grande lição de humildade e uma grande lição de eclesiologia da Igreja local, que procura caminhar na sinodalidade e na construção da família de famílias.

Nestes 25 anos de sacerdócio, o que é que aprendeu?

Ui, tanta coisa... [risos]. Os primeiros anos foram vividos aqui, oito em Bragança, 12 em Roma e agora cinco de novo aqui, em Bragança. E tantas belas experiências, tantas aprendizagens. Eu gostaria de continuar a viver dessa aprendizagem permanente. Muitas vezes, como diz Fernando Pessoa, ‘é preciso aprender a desaprender’ e já me aconteceu ao longo deste tempo… Mas a marca importante é mesmo o dia feliz da ordenação porque é dessa fonte que constantemente vou beber a configuração a Cristo, que é Pastor, Servo e Esposo da Igreja.

Alguma experiência como sacerdote que queira partilhar connosco?

Procuro experimentar que tudo é graça, que o amor é tudo na vida e fazer em cada dia sempre cada vez melhor. Mas a experiência mais gratificante tem sido mesmo a experiência da visita pastoral, um encontro muito próximo com as pessoas, sobretudo com os mais frágeis, os mais doentes, os mais idosos, os mais sós… E é aí onde eu tenho aprendido mais. Tem sido a minha grande escola de vida, a relação com essas pessoas. Tenho diante de mim aquelas pessoas já de muita idade. Recordo-me de uma pessoa de 85 anos que na despedida me dizia: “Posso dar-lhe um abraço?”; outra: “Dê-me um beijo”. Não posso sentir-me mais feliz.

Que papel tem a família na vida do sacerdote e bispo D. José Cordeiro?

É inexplicável. Tem um enorme papel. O Papa S. João XXIII dizia que a vocação de um padre nasce primeiro no coração da mãe. E a minha mãe tem sido essa referência. O meu pai partiu para a eternidade tinha eu 16 anos e foi aí, talvez, o ponto fulcral onde Deus me feriu [sorrisos] para a decisão da resposta à vocação que Ele mesmo me fez. A família sempre me acompanhou e acompanha. E a minha mãe, com os seus 82 anos, é, para mim, a grande testemunha da vida, da coragem, da confiança e da fé, porque foi graças à não interferência dela e ao deixar que Deus conduzisse a história como Ele sabe que hoje sou padre e sou também bispo, para o serviço do Evangelho da esperança.

Na homília da eucaristia de acção de graças afirmou que a vocação sacerdotal é uma ferida no coração.

Essa é uma expressão muito bela do Cardeal Martini, que sempre me marcou. A vocação é o deixar-se ferir pelo amor de Deus e, ao mesmo tempo, ferir-se pelos irmãos, pelo exercício do ministério, sobretudo daqueles que mais precisam, que mais dificuldades passam. E na nossa realidade, aqui, são, talvez, os mais idosos, os mais sós, aqueles que não têm vez nem voz. Estes que fazem parta das 326 paróquias que constituem esta diocese grande em território, mas, com as características que temos e que somos, não desistimos e estamos com este sinal de esperança efectiva e afectiva, porque nós não vivemos o passado, vivemos o presente, momento em que Deus realiza as suas maravilhas. E vivemos também do futuro, que é a realidade que anima a Igreja.

Um padre, um bispo certamente passa por momentos de dificuldade, por horas mais escuras. Nesses momentos, a que se agarra o D. José?

À Cruz. À cruz que trago comigo. Não é só um objecto de decoração, mas um sinal de identificação. É um gesto que imediatamente acontece. Eu agarro-me à cruz de Cristo e ao primeiro dever que tenho, que é a oração. E senti isso desde a primeira hora, que o primeiro dever do bispo como do sacerdote, que é rezar, rezar nesta relação de amor com Deus e rezar pelo povo que me está confiado. Há muitos momentos de dor, de sofrimento, de cruz. A minha cruz e o meu anel traduzem isso. A imagem do grão de amêndoa é a tradução desses momentos. O grão de amêndoa é amargo, duro na sua casca, no seu exterior, mas, depois, quando o conseguimos saborear, entendemos o mistério pascal na nossa própria vida. Não é só uma questão de Kerygma, de anúncio ou de pregação, mas de experiência vital. E é decisivo que o mistério pascal perpasse também a nossa vida. É dessa experiência que nasce depois uma luz mais clara. Como costumo dizer, é uma cruz florida, como a que trago ao peito representa.

Há 25 anos, quando foi ordenado, os tempos eram outros, a sociedade evoluiu, mudou muita coisa… O que é que a Igreja precisa de mudar para chegar mais às pessoas?

A Igreja precisa de se aproximar ainda mais de Jesus Cristo e do seu evangelho. Esta mudança épocal que estamos a viver não se traduz em simples coisas ou atitudes ou gestos a mudar, mas a mudança nasce da conversão, nasce do encontro com Jesus Cristo. A Igreja nunca deve desistir da sua missão de evangelizar. Ela existe para isso. Na Evangelii Nuntiandi o beato Papa Paulo VI di-lo à exaustão. E é nesse suave e alegre ministério da missão que nós nos situamos: continuar a proclamar por gestos e também por palavras que Deus nos ama, nos quer bem, que nos abraça, que nos perdoa. Por isso, este Ano Santo da Misericórdia é uma oportunidade decisiva para a Igreja no mundo.

Considera que os cristãos precisam de se envolver mais na missão da caridade?

Claro que sim. Esse é o caminho, à imagem de Cristo Bom Samaritano da Humanidade. Não tanto que cada um se pergunte “quem é o meu próximo?”, mas, à luz da Palavra de Deus, perguntar-se “de quem é que eu sou próximo?”, e o próximo é todo aquele que precisa de mim. E sem calculismos, sem outras intenções, a nãos ser de amar, de servir, de tornar feliz a vida do outro...

Como vê a vocação da mulher na Igreja?

Há um caminho a percorrer, e creio que está a ser percorrido com uma abertura total, para a realização plena da vocação da mulher na Igreja. O gesto tão simples, mas tão autêntico e de rasgar horizontes que o Papa Francisco fez há pouco tempo de equiparar Santa Maria Madalena aos apóstolos, ou seja a sua comemoração passar de memória a festa, tem esse sinal indicativo porque, desde a primeira hora, as mulheres foram anunciadoras da ressurreição de Jesus. A vocação da mulher na Igreja não pode ser entendida como um “fazer coisas”, mas de se sentir pertença efectiva e afectiva na Igreja. E como o Papa Francisco tem dito, até mais importante que os bispos e os cardeais é Maria, modelo acabado do serviço, da hospitalidade, da proximidade por excelência. E tem que ser nesta redescoberta conjunta de uma espiritualidade assente na própria liturgia e na Palavra de Deus que novos caminhos da missão se abrem para todos aqueles que são discípulos missionários e aí não há distinção de homens e mulheres. Todos somos chamados à santidade e essa é a maior vocação.

Que sacerdote gostaria de ver hoje?

[Risos… hesitações…] É uma pergunta difícil, mas sempre actual. Gostaria de ver um padre padre, que no exercício do seu ministério encontrasse a fonte da santidade e da santificação e nunca se cansasse de ser companheiro da humanidade, de estar ao lado de quem mais precisa. E na oração, na escuta da Palavra, na pregação, na prática da caridade seja testemunha credível do Evangelho da esperança.

Vai ordenar brevemente dois sacerdotes e um diácono. Gostaria de contar com mais vocações sacerdotais na diocese?

Claro que sim, mas seja feita a vontade de Deus. Nós para isso estamos a trabalhar e a rezar. Todos os dias continuo a convidar que se reze pelas vocações e, sobretudo, que os jovens e todas as pessoas se ponham nessa atitude de escuta, de disponibilidade e de serviço. É uma graça grande poder ordenar no dia 10 de Julho dois sacerdotes e um diácono e, se Deus permitir, poder admitir outros três ao seminário maior inter-diocesano, para que este contágio, esta continuidade possa prosseguir com esperança para o serviço da Igreja.

Neste dia feliz e de acção de graças, que mensagem para aos jovens?

Que tenham coragem de acolher Deus na sua vida e, com confiança, como o profeta Isaías, dizer “Eis-me aqui, podeis enviar-me!”. Que haja essa escuta, esse acolhimento e essa disponibilidade interior para o seguimento e para o serviço na Igreja, seja qual for o caminho e qual for a vocação a que Deus os chama.

Na eucaristia de Acção de Graças pelo dom dos 25 anos de vida sacerdotal de D. José Cordeiro marcaram presença grande parte dos bispos portugueses, alguns bispos espanhóis, o núncio apostólico em Portugal, D. Rino Passigato, muitos sacerdotes do presbitério de Bragança-Miranda e de outras dioceses e centenas de fiéis.

O prelado foi ordenado sacerdote na igreja do seminário de São José, a 16 de Junho de 1991, pelo então Bispo de Bragança-Miranda, D. António José Rafael.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Jp
    17 jun, 2016 Porto 17:24
    Sem dúvida uma igreja pobre; feita para os pobres e mais desfavorecidos...
  • Fernando de Almeida
    17 jun, 2016 Porto 00:18
    Sem du'vida! A Igreja precisa de se APROXIMAR de Jesus Cristo.No que diz respeito à Igreja Cato'lica Portuguesa, sempre tão distante de ROMA, essa aproximação torna-se fundamental...

Destaques V+