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Fundador da Comunidade de Santo Egídio: É preciso "novo equilíbrio" para pacificar Moçambique

17 mai, 2016 - 14:31 • Aura Miguel

“Existe em Moçambique uma situação tensa” e é “preciso encontrar um novo equilíbrio” tendo em vista o fim da tensão entre Frelimo e Renamo, diz, em entrevista, o fundador da Comunidade de Santo Egídio, que mediou o acordo de paz em 1992. Há encontro com Marcelo esta terça-feira.

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve este mês em Moçambique, reúne-se esta terça-feira com o fundador da Comunidade de Santo Egídio, Andrea Riccardi. Na agenda está a nova crise entre Renamo e Frelimo naquele país africano.

A Comunidade de Santo Egídio foi, em 1992, a mediadora para a paz em Moçambique e está, desde então, no terreno com elementos espalhados por algumas cidades e aldeias.

A Renascença entrevistou Andrea Riccardi, que fundou esta comunidade de leigos em Roma, em 1968. Riccardi dará uma conferência esta terça-feira, às 18h00, no edifício antigo da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Uma conversa que vai da preocupação do Papa com as periferias à situação em Moçambique.

A Comunidade de Santo Egídio sempre pôs os pobres no centro das suas preocupações. Francisco está a fazê-lo. Como vê este renovado olhar da Igreja para as periferias da sociedade?

Creio que Francisco pôs as periferias como o grande tema do seu pontificado: as periferias urbanas e humanas. Mas não é só um facto da Igreja. As periferias são hoje um problema mundial: vemo-lo com o terrorismo, vemo-lo com os “foreign fighters” [jihadistas que vão para países como a Síria lutar pelo Estado Islâmico]. E também devemos sublinhar que, desde 2007, a maioria dos habitantes do mundo vivem nas cidades. É uma reviravolta histórica: hoje, o mundo é, quase todo, urbano. Nos anos 50, era só 20%, mas hoje é metade do mundo. A cidade come o campo e o mundo enche-se de periferias.

E qual é o contributo do Papa? As periferias são uma palavra-chave do seu pontificado.

Duas coisas: uma é pôr na ordem do dia e nos debates o tema das periferias; a segunda é que a Igreja deve renascer e recomeçar a partir das periferias. É este o ponto, há uma regeneração das periferias.

Mas estes sinais de crise significam o quê? Que há um sofrimento escondido? O que fazer para enfrentar o problema?

Há um sofrimento escondido. O mundo das periferias é um mundo marginal que, por vezes, existe dentro das cidades e não apenas nas margens. As grandes metrópoles criam enormes periferias. Estas periferias são lugares sem rede, onde há as pessoas sós. Dantes, havia partidos políticos e sindicatos nas periferias, o partido comunista organizava as periferias, punha-as contra o sistema que estava no centro, era uma dialéctica. Mas hoje as periferias estão vazias e o vazio é preenchido pelas máfias e pela criminalidade. Por isso, no meio das teias da máfia, o grande desafio joga-se hoje na dimensão comunitária humana.

Mas como fazê-lo? Muita gente parece anestesiada.

As pessoas andam anestesiadas e a ideia de Francisco é despertá-las através da comunicação de Evangelho. Ajudar a renascer comunidades e levar as pessoas da Igreja a saírem da instituição, do edifício da Igreja, para irem ao encontro e misturarem-se com a gente. A ideia de Francisco é que o cristianismo não seja uma minoria, mas um povo.

A Comunidade de Santo Egídio está habituada às periferias os sem-abrigo, os refugiados. Como olha para este pontificado, a partir da vossa experiência?

A Comunidade de Santo Egídio nasceu e fixou-se nas periferias de Roma e das cidades europeias, junto dos pobres em Lisboa e em África, ela mesma periferia do mundo importante. E aí conheceu a dor dos que lá vivem, mas também o facto de que os pobres são uma força. E estamos em grande sintonia com o Papa Francisco. Antes de mais, porque não podemos esquecer a massa de marginalizados e de pobres, mas também porque a Igreja deve e pode renascer aí. Uma Igreja entre os pobres não significa uma Igreja “pauperista”, mas sim uma Igreja com forte autoridade para falar dos problemas do homem, para falar, por exemplo, da paz e da guerra.

Tem uma reunião esta terça-feira com o Presidente da República português com a tensão em Moçambique como pano de fundo.

A Comunidade de Santo Egídio trabalha sobre os temas da guerra e do diálogo para a paz e Moçambique é exemplo disso, com a paz alcançada em 1992, na sede de Santo Egídio, depois de uma terrível guerra que durou muitos anos e fez um milhão de mortos.

Sei que existe em Moçambique uma situação tensa. A paz durou mais de 20 anos, mas agora é preciso encontrar um novo equilíbrio. É esta a realidade fundamental. É um momento delicado.

Quanto ao papel de Portugal, considero que é sempre importante na história de Moçambique, não só no plano externo, mas também interno. E, como em todas as realidades internas, é muito amado, e sentido, mas às vezes ainda pesa a memória do passado colonial.

E o facto de a Comunidade de Santo Egídio surgir como uma espécie de especialista externo ajuda ao diálogo? Porque foi preciso vir a Comunidade de Santo Egídio para tentar consolidar a paz?

Sabe, a vida está cheia de surpresas e casos. Santo Egídio é uma realidade interna em Moçambique, porque existem dezenas de comunidades nas cidades e aldeias, desde 1992, com moçambicanos que trabalham para os pobres e pela solidariedade e que têm no coração a causa da paz.

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  • David Pedro Canote
    24 mai, 2017 Ulongue-Angonia 20:37
    Gostaria de comecar esta comunidade no meu distrito. como fazer_

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