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A história de uns sapatos dados por Salazar pode ser contada num museu

07 mai, 2015 - 06:00 • Liliana Carona

A Câmara de Santa Comba Dão diz que uma primeira fase do futuro Museu Salazar poderá abrir portas dentro de dois anos. Apesar de alguma contestação, na região encontram-se apoiantes. É o caso de Manuel Silva, de Tondela, que teve os primeiros sapatos da sua vida aos nove anos, oferecidos pelo fundador do Estado Novo.

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Nas casas em ruínas onde nasceu e viveu António de Oliveira Salazar, em Santa Comba Dão, salta à vista a varanda envidraçada onde foi fotografado com Christine Garnier, uma jornalista jornalista francesa que escreveu o livro “Vacances avec Salazar”. Todo este património pode vir a fazer parte de um complexo museológico dedicado ao Estado Novo. A Câmara de Santa Comba Dão, promotora da iniciativa, garante que não se trata de homenagem a Salazar, mas de um centro de estudos.

O Museu e Centro de Estudos António Oliveira Salazar deverá nascer nos terrenos da freguesia de Vimieiro que pertenceram ao criador do Estado Novo. Quando? Ainda não se sabe, embora a autarquia de Santa Comba Dão aponte para daqui a dois anos. Sujeito a múltiplos avanços e recuos, o projecto demora a sair do papel.

Sucessivos governos foram tomando diferentes atitudes quanto ao apoio a esta iniciativa. A ex-ministra da Cultura Isabel Pires de Lima considerou "não sustentável" a transformação em museu da casa onde nasceu Salazar, mas outro ex-ministro da Cultura do PS, Manuel Maria Carrilho, concordou com a sugestão de Orlando Mendes, anterior presidente da autarquia.

Com ou sem o o apoio do Governo, o actual presidente, Leonel Gouveia, já decidiu que vai avançar com uma candidatura a fundos comunitários até ao Verão. Em 2006, a Câmara de Santa Comba Dão viu ser-lhe doado um terço dos bens imóveis da herança de Salazar. O projecto pretende criar um restaurante, casa de chá, auditório e museu.

Na região de Viseu, a maioria dos populares está a favor da construção do museu de Salazar. Manuel Silva, natural de Tondela, é um dos apoiantes. Com nove anos, Manuel já não ia à escola. Uma bofetada dada por um professor fez-lhe jorrar tanto sangue que foram os próprios pais a retirá-lo da escola. Manuel guardava ovelhas, era pastor, andava descalço e percorria a serra a pé, sobre o gelo. Valeu-lhe fazer anos no mesmo dia que Salazar. “Andava descalço, com camadas de gelo debaixo dos pés, a guardar 25 ovelhas. Cheguei a comer sardinha crua, não tinha dinheiro para fósforos ”, recorda.

Assim foi até ao dia em que completou nove anos. "Uma vizinha chegou lá, no dia 28 de Abril, com um embrulho contendo uns sapatos, a dizer-me que era oferecido pelo Salazar a todos que faziam anos no mesmo dia que ele”, conta.

Manuel não esquece a reacção que teve ao ver os seus primeiros sapatos. “Quando ela desembrulhou aquilo, uns sapatos bons que nunca tinha tido, meias, calças, cuecas, uma camisa ou uma gravata e uma camurcina, fiquei todo inchado”, diz, sorrindo e com emoção na voz.

O hoje septuagenário garante que guarda num baú quase secreto a correspondência que trocou com Salazar, depois de ter recebido os sapatos. “Escrevi a agradecer-lhe e, passado um tempo, tive resposta. Fui-me escrevendo com ele até ir para a tropa”, relembra.

Manuel Silva já não tem os sapatos. O uso desgastou-os, mas gostava de poder partilhar o seu testemunho num museu. Admite que "o Salazar não foi um bom da fita", mas não pode negar que o ditador, no plano pessoal, está na fita da sua vida.
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