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Muçulmanos em Portugal atentos a sinais de radicalização

21 jan, 2015 - 20:47 • Celso Paiva Sol

Empenhados na estabilidade da comunidade, os muçulmanos portugueses não escondem que o momento é de grande incerteza.

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Já lá vai muito tempo, mais de 40 anos, desde que os muçulmanos de Lisboa usavam casas particulares ou uma sala emprestada pela embaixada do Egipto para fazerem as suas orações.

Oriundos maioritariamente das ex-colónias, ainda usaram também um palacete no Príncipe Real, cedido pelo governo português, até que em 1985 cumpriram o sonho de inaugurar o seu próprio templo: a Mesquita Central de Lisboa.

Primeiro foi a descolonização. Depois, a entrada na União Europeia e, com ela, não só a livre circulação, como também o "boom" da construção civil (com a Expo’98 a ser um dos pontos altos). Tudo junto fez com que Portugal fosse recebendo mais e mais muçulmanos. Comunidade registada: 60 mil membros.

Yiossuf Adamgy foi testemunha de toda esta evolução desde 1977. É director da Al-Furqán, uma organização independente que divulga e edita estudos islâmicos em Portugal e se movimenta sobretudo na Mesquita Central de Lisboa.

Adamgy nota uma inversão de tendência. "A comunidade tinha atingido 50 a 60 mil pessoas. Hoje não temos essas pessoas, elas não têm o censo feito, mas houve muita gente que saiu daqui. Porquê? Falta de emprego, o negócio está em crise e houve gente que saiu daqui – alguns regressaram a Moçambique, outros foram para Angola".

A redução nas gerações mais novas da comunidade original não significa forçosamente que Lisboa – sobretudo Lisboa – tenha menos muçulmanos. É que também é visível um outro grupo de pessoas, mais recente, proveniente do Paquistão, do Bangladesh e da Índia, mais autónoma dos circuitos tradicionais.

"O que eu noto é que eles trabalham ali nos arredores de Benformoso. Há ali um centro comercial em que só eles é que estão, a maioria são eles - nos restaurantes, nessas vendas a um e dois euros, coisas dessas. E então arranjaram uns sítios ali para fazerem as orações, nem cá vêm. Praticamente ficam lá porque fica-lhes perto", conta.

Ainda assim, são 30 os locais de culto islâmico em Portugal, com especial incidência em Lisboa e arredores, Setúbal, Porto e Algarve.

Empenhados na estabilidade da comunidade, os muçulmanos portugueses não escondem, no entanto, que o momento é de grande incerteza. Depois dos atentados de Paris, prometem ficar atentos a sinais de radicalização.

"Verifica-se tudo"
Yiossuf Adamgy, 63 anos, muçulmano sunita, natural de Moçambique, é um activo membro da comunidade islâmica portuguesa desde os anos 70. Fundou e dirige a Al-Furqán. É autor de um vasto conjunto de obras e textos sobre o Islão. Lamenta o ambiente de suspeição que se vai instalando. Continua a acreditar numa comunidade pacífica, totalmente integrada há décadas, mas também admite que é impossível garantir que não possa ser infiltrada por radicais.

"É difícil de controlar e cada vez será mais difícil, se esta situação continuar, se não amainar, isso vai-se tornar difícil. Tem que haver muita segurança. Eu sei que os muçulmanos, possivelmente, vão ser olhados e revistados por todo o lado, nos aeroportos e etc., mas eu prefiro que o façam. Prefiro que o façam para segurança, nós não sabemos o que é que isto vai dar", diz.

Os riscos são, garante, vigiados pelos próprios muçulmanos. "Temos atenção, verificamos. Hoje em dia verifica-se tudo, anda-se, pergunta-se, vê-se e não acredito que eles tenham passado por aqui", diz.

Os portugueses na jihad
Já sobre os portugueses que se juntaram à jihad – supostamente recém-convertidos e posteriormente radicalizados – Yiossuf Adamgy não os conhece. Duvida mesmo que tenham alguma vez tido uma verdadeira prática islâmica em Portugal.

"Daquelas pessoas que a comunicação social tem anunciado, nós não as conhecemos, não passaram por aqui. Há aqui pessoas convertidas, naturalmente que o xeique Munir tem uma lista dessas pessoas que se convertem, inclusivamente, há uma comissão de apoio às pessoas convertidas. Não creio que sejam via mesquita. Pode ter sido por via internet ou por outras vias, devem ter ido pela França, pela Inglaterra ou por outros países da Europa. É claro que não se pode pôr a mão no fogo, tudo é possível… Com esta liberdade de trânsito que há, não é – as pessoas entram pela Espanha, por Marrocos, tudo pode acontecer."

Não soube da ida destas pessoas para a Síria e o Iraque, tal como nada sabe sobre o eventual regresso.

Yiossuf Adamgy elogia a forma como o Papa Francisco se tem pronunciado sobre este tema. Não poupa críticas aos terroristas, aos métodos que usam, e à utilização "abusiva e criminosa" que fazem do Islão.

Sublinha, no entanto, que da comunidade internacional também não param de chegar sinais que considera provocadores. E dá um exemplo recente: "Aquilo, parece que não, mas há pessoas que dizem ‘bom, vimos lá o [Benjamin] Netanyahu [primeiro-ministro israelita] que fez uma razia na Palestina, está lá a dizer 'Je suis Charlie'… Então matou, fez uma matança a não sei quantas pessoas e disso ninguém fala? Não são seres humanos?"
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