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Entre a bordo do Santa Maria Manuela com a Renascença

10 jul, 2012

Os Grandes Veleiros estão quase a chegar a Lisboa

Entre a bordo do Santa Maria Manuela com a Renascença

Entre a bordo do veleiro português Santa Maria Manuela com a Renascença. O jornalista João Santos Duarte está a fazer o percurso de Saint Malo, em França, até Lisboa e conta-lhe, dia-a-dia, como está a ser esta viagem, como é fazer parte da tripulação e ir ao leme deste veleiro, quais as tarefas a desempenhar e como é fazer parte desta grande aventura.

Sábado, 7 de Julho de 2012

Não foi difícil de encontrar. Chegamos a Saint-Malo de comboio ao final da tarde, e depois de percorrermos com a mochila às costas a estrada que conduz à parte antiga dentro das muralhas e ao porto, os quatro mastros do Santa Maria Manuela depressa se cruzam com a nossa linha do olhar. O veleiro português, construído há 75 anos e reconstruído nos anos recentes, facilmente se destaca dos outros que participam igualmente na Tall Ships Races, um evento que todos os anos reúne os maiores veleiros do mundo.
Depois de nos apresentarmos a bordo tomamos um primeiro contacto com a embarcação e somos conduzidos ao nosso camarote, que vamos partilhar com outro viajante.
Nos próximos dias vamos acompanhar a viagem do Santa Maria Manuela entre Saint-Malo, no norte de França, e Lisboa, e perceber como é a vida a bordo de um veleiro.


Domingo, 8 de Julho

O dia começa com um encontro com o comandante, seguido de uma apresentação com as primeiras instruções e regras de segurança, e de uma visita guiada ao veleiro, desde a casa de navegação à casa das máquinas.
A tripulação do Santa Maria Manuela é constituída por 18 elementos, aos quais se juntam, nesta viagem para Lisboa, vinte pessoas que se inscreveram para participar nesta primeira etapa da Tall Ships Races. Na sua maioria são portugueses e franceses, mas no grupo há também um norueguês, um sul- africano e uma ucraniana. Muitos deles são bastante jovens, entre os 15 e os 24 anos, e nunca estiveram a bordo de uma embarcação do género, já que um dos objectivos desta iniciativa anual é de proporcionar aos jovens uma experiência de treino de mar.
Ficamos desde logo divididos em 3 grupos diferentes, cada um fica com um "quarto" (um turno de trabalho no veleiro), que compreende dois períodos de trabalho por dia no barco, cada um com quatro horas.
Para a tripulação o dia é de azáfama. As visitas aos veleiros ainda estão abertas, e o Santa Maria Manuela é o mais concorrido, com grandes filas que se vão formando no acesso às escadas que dão acesso à embarcação. Em apenas um dia recebeu mais de 6 mil visitantes.
Largamos do porto já depois das oito da noite, em conjunto com os últimos veleiros que vão participar na regata. Em ambos os lados do canal que nos conduz ao mar aglomeram-se centenas de pessoas, que dizem adeus aos veleiros que nos últimos dias deram mais colorido a Saint-Malo.
Concentramo-nos na proa, aqueles que seguem a bordo, e também nós saudamos os que ficam para trás. O sol começa a pôr no horizonte. Saint Malo já se perde de vista. É o início de uma aventura no mar, que nos vai conduzir até Lisboa.


Segunda-feira, 9 de Julho

"Roda o leme para a esquerda, dois graus para bombordo", dita o elemento da tripulação que está ao nosso lado a ajudar-nos. Temos de manter a proa a 270º, avisam-nos da casa de navegação. Nos primeiros minutos controlar o leme pode até parecer um pouco estranho, mas depois apanha-se-lhe o jeito.
O vento e a corrente fazem com que o barco esteja a descair para estibordo, o que faz com que tenhamos de corrigir constantemente com o leme.
Passar por esta experiência é apenas uma das tarefas que temos de desempenhar durante as quatro horas que dura o nosso "quarto". Temos também de vigiar o mar - tanto à proa como à popa - podemos ter de lavar o convés, ir para a cozinha ajudar a preparar o almoço ou mesmo para a lavandaria.
Pelo caminho passamos também pela casa de navegação e temos uma primeira explicação de como funcionam todos os instrumentos.
A cada minuto que passa, estejamos onde estivermos, ouvimos ainda o ronronar do motor. Por enquanto os barcos estão a posicionar-se no mar, e a regata só tem inicio amanhã. Nessa altura, o motor será desligado e as velas serão içadas.
Depois do jantar, o dia não termina sem um segundo período de trabalho, entre as 20h e as 24h. De perto avistamos outros veleiros, e gigantescos cargueiros que se cruzam no Oceano. As nuvens encobrem o céu por completo, escondendo o pôr-do-sol. Mas o mar está calmo. Aguardamos com expectativa o dia de manhã, em que a regata finalmente começa, e poderemos içar as velas.


Terça-feira, 10 de  Julho

"Vai, vai", "Força, força", são as palavras de incentivo que se ouvem no convés, enquanto um grupo de 6 ou 7 pessoas colocadas em fila indiana puxa um cabo que vai permitir içar uma das velas.
A operação começa às 8 da manhã e envolve um esforço de equipa, por isso as pessoas cujo "quarto" acabava a essa hora e que estavam a trabalhar no navio desde as 4h da manhã ficam mais um pouco para dar uma ajuda.
Para aqueles que pela primeira vez tomam contacto com um veleiro não é fácil decorar inicialmente todos os termos a bordo. A primeira vela a ser içada é a "polaca" uma das três que compõem o grupo da proa (as outras duas são a "bujarrona" e a "giba"). A operação é acompanhada a par e passo pelo comandante, que vai dando as instruções necessárias. "This side now, this side now" ouve-se agora no convés, para aqueles que vão a bordo e que não falam português.
O processo de içar as velas ( 11 no total ) demora boa parte da manhã. E não decorre sem percalços. Um dos cabo de uma das velas de cima (Gavetope) desprende-se, o que obriga um dos marinheiros a envergar um garnês e subir a enxárcia (escada de cabos de aço e degraus de madeira) para o voltar a ligar ao pano.
Finalmente chega a altura de todas as velas tomarem contacto com o vento, que conduz agora o navio, em conjunto com o motor. Dentro da casa de navegação, a situação obriga o comandante o ordenar por várias vezes lá para fora, onde está o leme, a correcção do rumo. Passados mais uns minutos chega a hora de parar o motor. O veleiro fica a postos para o início da regata.
Ao largo avistamos um dos concorrentes, o veleiro alemão "Alexander Van Humboldt II". Usando o sistema de comunicações, o comandante do Santa Maria Manuela envia uma saudação. A resposta não tarda do lado alemão, e vem com um elogio "Tirámos fotografias do vosso veleiro. É muito elegante."
"Obrigado. Boa viagem até Lisboa", responde o nosso comandante. O Van Humboldt é um veleiro mais recente (está apenas há 6 meses no mar), e mais rápido. Pouco depois começou a afastar-se.
A mudança para as velas traz um novo desafio à vida dentro do navio. O veleiro segue agora permanentemente inclinado para bombordo (ou seja, para a esquerda), e um intensificar no vento pode significar mudanças bruscas no equilibrio do navio. Isso significa termos de nos agarrar muitas vezes a uma antepara dentro do nosso camarote para não cair, ou mesmo correr o risco de ter um acidente mais desagradável com o tabuleiro da comida na sala de refeições! Mas para aqueles que enjoam no mar o período critico das primeiras 48 horas já está a passar.
O vento do primeiro dia dá uma ajuda. Seguimos a uma velocidade entre 9 e 9,5 nós (são cerca de 18 quilómetros por hora, o que em terra nos pode parecer pouco, mas dentro do mar é uma velocidade excelente.) O sol está quase a pôr-se, e olhando para o mar avistamos vários pequenos pontos na linha do horizonte. São outros veleiros em competição, todos com destino a Lisboa.


Quarta-feira, 11 de Julho

O movimento do veleiro embala a escrita no caderno de apontamentos.
Sentado à proa, no enfiamento do gurupês, o vento e o frio são os únicos inimigos. Porque o que está à nossa frente compensa largamente. Um azul de perder de vista. A oeste o sol rompe finalmente entre as nuvens, e como que desenha uma estrada de luz que serpenteia as águas do mar em direcção ao nosso veleiro. Mas há que dar descanso à caneta e manter a atenção. Estamos de vigia à proa, uma das funções que nos é atribuída. E apesar da parafernália de tecnologia do presente parecer tornar esse trabalho algo do século passado, o olhar atento do homem pode sempre captar algo que escapa às máquinas, aos radares aos satélites.
Fora do horário de trabalho decidimos visitar o "coração" do navio. O som do gerador que se ouve mal passamos a porta anuncia onde estamos. A casa das máquinas pode parecer um local labiríntico e indecifrável, mas certamente não terá grande segredos para João Moniz, Chefe de Quarto, que nos faz uma visita guiada, ele que anda no mar há mais de 30 anos, e está há 2 no Santa Maria Manuela. Embora naveguemos à vela e os motores estejam parados, há muitas outras máquinas absolutamente vitais para a vida a bordo: o gerador (tanto o principal como o de emergência), a estação de tratamento de resíduos, os termoacumuladores que permitem aquecer a água, o sistema que controla o ar condicionado... O Santa Maria Manuela é um veleiro dotado de todo o conforto para quem segue a bordo, ou para todos aqueles que gostariam de se inscrever numa das suas viagens. Embora necessariamente pequenos, os camarotes são modernos e confortáveis. A sala de refeições e de convívio é acolhedora, e a alimentação - a cargo de um cozinheiro e de um ajudante - é melhor do que em muitos restaurantes em terra.
Voltamos a subir ao convés e dirigimo-nos à casa de navegação. Ao terceiro dia no mar as rotinas das equipas já estão afinadas. Débora Rodrigues, oficial chefe de quarto de navegação, encontra-se agora a ajudar Clemence - uma francesa que faz parte de um grupo de reservistas da marinha que vai a bordo - a calcular o vento real. Está a 18 nós, o que é excelente. Se assim se mantivesse sempre até Lisboa poderiamos chegar lá dentro de uns três dias, estimam os computadores a bordo. Mas na hora seguinte já o pano das velas passa de uma fúria incessante a uma calma repentina. Mesmo quem anda no mar há muito pouco tempo, como é o caso, já percebeu que aqui, de um momento para o outro, tudo pode mudar.


Quinta-feira, 12 de Julho

A vida a bordo do veleiro não passa apenas pelo que diz respeito às coisas do mar. E para quem está a aprender, como é o caso de muitos dos jovens que seguem a bordo, é importante ter desde cedo o sentido do colectivo.
Todas as tarefas contam, e todas são importantes. E é assim que eu e o meu companheiro de camarote, o Tiago, nos vimos da parte da manhã a descascar um saco inteiro de batatas na cozinha do navio. O cozinheiro liga o rádio e a conversa em castelhano que sai da coluna denuncia onde estamos. Olhando para bombordo avistamos ao longe a costa espanhola. Não estamos longe de terra, mas depressa nos teremos de voltar a afastar. O vento não ajuda.
Sopra forte, mas não na direcção pretendida. Com vento de amura é dificil navegar a uma velocidade aceitável.
O comandante é obrigado a tomar uma decisão. Temos de mudar de rumo.
Fazemos uma manobra de virar em roda, que nos leva a inverter o sentido e seguir agora mais para noroeste. Temos de procurar a melhor posição para depois começarmos a descer, passarmos o cabo Finisterra e seguirmos rumo a Lisboa, como previsto.
Mas o sentido do colectivo não passa apenas pelas tarefas que têm de ser feitas a bordo. Em todos os grupos observa-se não só vontade de aprender, mas também de transmitir o conhecimento. Na casa de navegação, Sebastião (um dos quatro jovens a bordo que vieram por intermédio da APORVELA - Associação Portuguesa de Treino de Vela), ajuda Hermínia, alguns anos mais velha, a pôr a nossa posição na carta e a calcular a hora do pôr-do-sol para o arriar da bandeira nacional, hasteada à popa.
Ao contrário de outras noites, não avistamos tantas luzes de embarcações ao largo. O mar está mais agitado que em dias anteriores, o que faz o navio balançar em movimentos pendulares.
Aproxima-se a meia-noite, e dentro em breve outro grupo nos irá render na navegação e na vigia. A vida a bordo não pára.
 

Sexta-feira, 13 de Julho

"Assim já é mais tempo de marinheiro", atira, com um sorriso, o mestre Fernando, momentos depois de termos mudado a posição das velas para podermos apanhar de novo o vento a estibordo. O mar está agitado. A manhã começa chuvosa. Ao leme, Mathew, um sul-africano que faz parte do grupo de estrangeiros a bordo, está completamente encharcado. As vagas são de três metros, o que para os homens do mar - como o mestre Fernando, que já passou por quatro naufrágios - não é praticamente nada, mas para aqueles a bordo que pela primeira vez estão em alto mar é já suficiente para impor algum respeito.
O veleiro navega inclinado para bombordo, mais do que nunca até agora. O convés está escorregadio, e não são raras as vezes em que damos por nós numa espécie de dança descoordenada para tentar não cair. No interior também não é fácil por vezes manter o equilíbrio. Tarefas banais do dia a dia, como tomar banho ou levar o tabuleiro da comida até à mesa obrigam, muitas vezes, a uma ginástica imaginativa.
Mas tudo muda depois do almoço. A chuva dá finalmente uma trégua. O sol começa a aparecer, ainda que timidamente. Quase tão tímido como o vento, que muda drasticamente de intensidade.
Progredimos agora muito lentamente no mar. Mas passamos finalmente Finisterra. Amanhã, se tudo correr bem, já estaremos a chegar à costa portuguesa.


Sábado, 14 de Julho

Aqui em cima estou no topo do mundo. Bem, talvez não seja propriamente o topo do mundo. Mas para mim, neste preciso momento, é. Suspenso a mais de 30 metros de altura acima do convés, de repente o navio parece-me muito mais pequeno lá em baixo. Quase como aqueles modelos de brincar que alguns gostávamos de ter quando éramos pequenos. Já o mar, por impossível que possa parecer, aparenta ser ainda maior.
Subi ao topo através da enxárcia - a escada de cabos e tiras metálicas - protegido por um arnês. Em redor o azul do mar a perder de vista funde-se com o do céu. É um daqueles momentos que gostariamos de poder congelar para sempre. Mas está na altura de descer.
Fernando, o auxiliar do cozinheiro, grita pelo meu nome. E à medida que me aproximo da cozinha apercebo-me que, para além do cheiro tentador que todos os dias sai lá de dentro, hoje há um som familiar que o acompanha. "Já se apanha aqui a Renascença", confirma-me Sano, o cozinheiro, um senhor de óculos e bigode castiço. Para ele, ter o rádio ligado enquanto trabalha é quase tão imperativo como usar azeitonas e pickles no maior número de pratos diferentes  possível. Mas Sano pode fazê-lo. Ele não sabe o que é cozinhar mal. Lá no fundo o rádio continua a passar música. Diz-me que o aparelho já está a ficar velhinho e que um dia destes lhe vai dar reforma. Eu não acredito. Aquele rádio já fez demasiadas viagens para agora se separar dele.
A paz é quebrada logo após o almoço. Sem aviso, um som estridente espalha-se por todo o navio. É o alarme geral de emergência. Agarramos no colete de salvação que está sempre posicionado no nosso camarote, e à medida que o vamos colocando subimos furiosamente as escadas que dão acesso ao convés. Dividimo-nos em dois grupos, no meu caso aquele que fica situado perto da amura, na parte da frente do veleiro, e próximo das jangadas de salvamento 1 e 2.
O comandante verifica se estão todos no convés, depois começa a avaliar se é necessário abandonar o navio.
Já sabiamos que isto ia acontecer. Trata-se de um simulacro. Aproveitamos e revemos os procedimentos em caso de homem ao mar, e também para lançar o barco de resgate a motor.
No final da tarde já o convés está transformado em lugar de convívio. Aproveitando o sol, enquanto uns estão à conversa outros aproveitam para escrever os seus diários de bordo, ou simplesmente para dormir. É a primeira vez que apanhamos este tempo durante a viagem. Este sol é familiar, e não engana. Já estamos ao largo de Portugal.


Domingo, 15 de Julho

Os olhos ainda estão meio confusos com a luz da tarde. Acabámos de acordar, e o cansaço dos dias no mar também já pesa. Trabalhar em dois turnos de quatro horas cada leva a que seja necessário ir descansando pelo meio. É por isso que, quando subimos ao convés ainda meio adormecidos, e nos parece avistar ao longe terra, depois de vários dias rodeados por água, isso nos aparenta ser num primeiro instante uma rasteira dos nossos olhos. Mas não é uma ilusão, é mesmo verdade. Depois de uma nova mudança na posição das velas ao início do dia, conseguimos ganhar velocidade. Tinhamos agora convergido mais na direcção da costa. A expectativa é grande. Na casa de navegação, os olhos estão centrados no computador que indica a nossa posição. O posto de comando da regata entra em contacto. Finalmente, o comandante dá a confirmação pelo sistema de comunicações: "Boa tarde. Atravessámos a latitude de 38' 48,7 às 18h 08min 46 seg (hora universal, é mais uma em Lisboa). Volta a repetir os dados para que não surjam dúvidas. Os aplausos irrompem no convés. Tinhamos acabado de passar a linha de meta da regata.
Continuamos o rumo em direcção a sul. O próximo passo é arrear as velas. O vento, que em algumas ocasiões nos falhou pelo caminho, ganha subitamente força e torna-se traiçoeiro. A giba, a vela da frente, não resiste e cede numa das pontas. Um pequeno pedaço de pano sai disparado e é empurrado pelo vento para o mar. O incidente obriga a um esforço adicional para a recolher. Dois marinheiros são obrigados a saltar para cima do gurupês e da rede de cabos que o ladeia para a conseguirem apanhar. Está envolta numa dança frenética com o vento e parece não querer ser agarrada, mas breve lhe deitam mão.
O mar agitado não ajuda. As outras velas vão sendo recolhidas uma a uma, sempre fazendo uso do espirito de equipa, com pessoas vindas de outras equipas a dar uma ajuda.
Já o sol se pôs quando o processo fica terminado. Voltamos a acertar o rumo, agora para norte, para fundear na baía de Cascais. À medida que nos deslocamos vemos focos de luzes ao longe, que se vão aproximando cada vez mais do olhar. São luzes familiares, mas agora vistas de outra perspectiva, em pleno mar: a ponte sobre o Tejo, o Cristo-Rei, os bairros da cidade. Mas Lisboa fica guardada para amanhã. A noite é passada ao largo de Cascais, e à medida que vamos reduzindo a velocidade uma gaivota vai voando ao lado da proa, como que nos escoltando. Chega finalmente a altura de lançar ferro. A agitação do mar nos últimos dias dá lugar a uma calma a que já não estávamos habituados.


Segunda-feira, 16 de Julho

Imaginem se fosse possível comprar um conjunto de postais gigantes e colá-los uns a seguir aos outros no horizonte. Ou aquelas máquinas fotográficas de brincar em que carregamos no botão e vão-se sucedendo imagens emblemáticas de uma cidade. Foi um pouco a experiência que tivemos esta segunda-feira ao navegar pelo Tejo para finalmente chegar a Lisboa, depois de cerca de uma semana no mar.
Largámos da baía de Cascais pelas 13h. Avançamos lentamente rumo a Belém, onde vamos apanhar um piloto para a entrada em Lisboa, e de repente já quase todos se concentram a bombordo, na primeira fila para a sucessão de imagens que se vai seguir. Para muitos dos estrangeiros a bordo é a primeira vez em Portugal. Por isso somos obrigados a vestir a pele de uma espécie de guia turistico improvisado. Primeiro a Torre de Belém, depois os Jerónimos e o Padrão dos Descobrimentos. Em seguida a ponte e o Cristo-Rei. "É parecido com o do Rio de Janeiro. Este surgiu antes ou depois?", pergunta-me uma das francesas. Respondo que na verdade foi o nosso Cardeal-Patriarca que trouxe a ideia do Brasil nos anos 30, mas o monumento acabaria apenas por ser inaugurado já no final dos anos 60.
Um outro grupo concentra-se na proa do navio. Estão sentados em cima do gurupês, e contemplam a vista à medida que passamos agora pelo Terreiro do Paço. Com uma vista destas o tempo parece que passa ainda mais depressa, e, quase sem darmos por isso, já estamos a atracar na zona do Jardim do Tabaco. Somos dos primeiros a chegar, e o cais está ainda bastante despido, mas nos próximos dias toda esta linha junto ao rio estará repleta de alguns dos mais bonitos veleiros do mundo.
Mal a prancha de portaló (as escadas que dão acesso ao navio) está em contacto com o cais, e depois de uma comitiva oficial de boas-vindas da Tall Ships Races entrar a bordo, o grupo de participantes que passou os últimos dias rodeado por mar lança-se na primeira oportunidade para terra, e embarca numa aventura inicial pelas ruas de Lisboa.
Mas nos próximos dias há muito para fazer a bordo. A festa dos grandes veleiros começa já esta quinta-feira (dia a partir do qual podem ser visitados gratuitamente por todos aqueles que tiverem curiosidade) e há que pôr literalmente o convés a brilhar. Para mais o Santa Maria Manuela foi escolhido como veleiro oficial da Tall Ships Races em Lisboa, o que significa que vai ter a responsabilidade de receber importantes eventos a bordo.
A aventura no mar pode ter chegado ao fim, mas há outra que continua em terra.