Uma moção necessária
25-10-2017 - 12:31

Face ao descalabro governativo na questão dos incêndios seria bizarro que a oposição não exprimisse no Parlamento uma clara censura ao Governo.

Só uma concepção relativista da política pode pôr em causa a legitimidade da moção de censura ao Governo, apresentada pelo CDS.

O que se passou em Portugal com os incêndios seria grave em qualquer contexto político ou governativo. É grave sendo António Costa primeiro-ministro e grave seria se fosse Passos Coelho a chefiar o governo.

A apreciação da gravidade dos factos não deve variar em função de amizades políticas ou cumplicidades ideológicas. À direita e à esquerda.

O que hoje é grave não pode ser desagravado amanhã, ao sabor das conveniências das maiorias de ocasião.

Esta visão relativista da política, em que os interesses embaciam a verdade, acaba por afastar muito boa gente da vida política.

E quando estão em causa vidas humanas, a distorção é especialmente chocante. A destruição do património é trágica e os prejuízos económicos avultados. São urgentes as ajudas e todo o tipo de apoio à reconstrução. Mas as vidas destruídas, essas ninguém as restitui.

Acontece que o Governo, depois dos incêndios de Junho, geriu a situação com a mesma insensibilidade política que adoptou imediatamente a seguir aos fogos de Outubro.

Só o Presidente da República conseguiu incutir no Governo a noção de urgência e gravidade que até então parecia faltar. E demorou quatro meses a consegui-lo. Há um António Costa antes de Marcelo falar ao país e outro António Costa, depois do discurso presidencial.

Face ao descalabro governativo na questão dos incêndios seria bizarro que a oposição não exprimisse no Parlamento uma clara censura ao Governo.

Não estou a ver António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins a apoiarem no Parlamento a condução política de um governo PSD/CDS que tivesse gerido o problema dos incêndios com a leveza do actual executivo. É um exercício especulativo pensar no que teriam dito e feito PS, PCP e Bloco de Esquerda, mas não custa acreditar que assistiríamos a protestos bem mais expressivos, se a maioria parlamentar exibisse outra cor política.

Fez bem o CDS em exprimir no Parlamento a censura política ao Governo, cuja conduta errónea neste caso concreto não recolhe apoio de ninguém.

De resto, a líder do CDS teve o mérito de avançar com a moção de censura, antes de o Presidente falar. Ao contrário de António Costa, não foi o Presidente que a fez mover-se.