Daniel Bessa. “O regime mudou no dia do ‘não’ a Salgado”
27-09-2015 - 12:39
 • José Bastos

“A nega redonda de Passos e Maria Luís é acto fundador da nova ordem”, diz ex-ministro da Economia. O futuro do Novo Banco agrava tensão do sistema financeiro.

“Portugal mudou nesse dia. O regime económico caiu aí”, afirma Daniel Bessa referindo-se à “nega redonda” do governo a Ricardo Salgado para a Caixa Geral de Depósitos salvar o Grupo Espírito Santo.

O futuro do Novo Banco projecta mais dúvidas que certezas para o sistema financeiro português, mas o antigo ministro da economia de um executivo PS – como independente integrou um governo Guterres - sinaliza o episódio como o “momento zero” da nova ordem económica.

“Não tenho nenhuma dúvida de que o acto fundador – para o melhor e para o pior com todas as consequências que aí estão – partiu de Passos Coelho e Maria Luís que disseram ‘não’ ao Dr. Ricardo Salgado”, afirma Daniel Bessa no Conversas Cruzadas.

“Um ‘não” proferido quando o Dr. Ricardo Salgado lá foi e não foi sozinho. Até conheço quem o acompanhou nessa diligência, mas não vou dizer. Até não foram só dois, mas saíram de lá com uma ‘nega’ redonda. O regime caiu aí”, sustenta o economista.

Álvaro Santos Almeida concorda com Daniel Bessa, mas vai mais longe. “Se não fosse por mais nada este governo teria valido a pena só por esta decisão”, nota o professor de economia da Universidade do Porto.

O governo, a CGD e o GES foram também temas da entrevista de António Nogueira Leite ao Edição da Noite. “Uma entrevista interessante”, na opinião de Manuel Carvalho da Silva. Nogueira Leite, gestor, antigo consultor do PSD e conselheiro de Passos Coelho na campanha de 2011 é particularmente crítico da condução política no caso Novo Banco.

“O único aspecto em que o governo este bem, em que nenhum governo anterior teria estado tão bem, foi quando não ordenou à CGD que salvasse o GES”, reconhece, nessa entrevista, Nogueira Leite, um ex-administrador da Caixa.

Carvalho da Silva: “Privatizar a CGD será erro colossal”

Manuel Carvalho da Silva minimiza a dimensão política do “acto fundador” e causa última da queda do Grupo Espírito Santo. “Há um momento em que estas coisas têm mesmo de acontecer. Pode é ser com mais desgraça ou menos desgraça, mas algum dia estas coisas têm de acontecer”, diz o sociólogo.

Álvaro Santos Almeida contrapõe: “Podia era acontecer mais tarde e com mais desgraça. Felizmente não aconteceu”, nota o ex-quadro superior do FMI em Washington.

Daniel Bessa insiste na transcendência da recusa do governo em salvar o GES, via CGD. “ Eu não sei qual vai ser o resultado disto tudo. Agora há uma coisa que mudou em Portugal com esta crise: é a elite económica”, diz o director geral da Cotec.

“A elite económica portuguesa mudou. Não me parece que a família Espírito Santo apareça aí de novo na próxima onda de reprivatizações. Até porque já nada há para reprivatizar”, reconhece Daniel Bessa. “O regime económico caiu aí nesse sentido”, remata.

Carvalho da Silva contradita o ex-ministro. “Para reprivatizar? Há a Caixa Geral de Depósitos quando não for necessária como instrumento para passar dívidas privadas para dívidas públicas. Nessa altura também vão querer privatizar”, sugere.

“Acho que será um erro colossal privatizar a Caixa, será uma desgraça, mas uma das razões do arrefecimento da ‘vontade privatizadora’ foi a utilização da Caixa Geral de Depósitos para cobrir buracos do sector privado”, afirma o antigo líder da CGTP.

Álvaro Santos Almeida: “Não há melhor solução que esta”

“Quanto à elite, mudou a estrutura económica e financeira e mudaram as elites. Quanto à estrutura económica e financeira ainda vamos ver. A banca portuguesa – infelizmente - não está saudável. Não está restruturada e a economia sofre com isso”, afirma Manuel Carvalho da Silva.

No ‘dossier Novo Banco’, com o adiamento da venda, qual será a dimensão da factura colectiva? Álvaro Santos Almeida não esconde os previsíveis efeitos em cadeia. A opção foi pelo mal menor.

“Na lógica dos contribuintes haverá certamente algo que se terá de pagar. Desde logo pela via das perdas para a Caixa Geral de Depósitos. Também vamos pagar, não como contribuintes, mas como clientes do sistema financeiro que todos somos”, faz notar.

“Haverá ainda o efeito de menores receitas fiscais da banca. Mas a questão central aqui é – e qualquer outra discussão é demagógica – é saber se a solução encontrada foi a melhor, ou a menos má, ou havia outras soluções melhores”, observa Álvaro Santos Almeida.

“Claramente a nacionalização não era uma solução melhor que a encontrada, porque iria transferir directamente para os contribuintes um custo muito maior”, faz notar.

“Enquanto não me apresentarem uma solução melhor esta foi a solução que implicava menores custos”