Costa "fez a Dijsselbloem o mesmo que a Teodora ou ao BdP", diz Álvaro Almeida
26-03-2017 - 16:33
 • José Bastos

"O primeiro-ministro fez a Dijsselbloem o mesmo que a Teodora ou ao BdP", diz Álvaro Santos Almeida. "Tese de Disselbloem é visão errada”, diz Luís Aguiar-Conraria.

“Nós temos, pelos vistos, o único primeiro-ministro na Europa a pedir a demissão de Jeroem Dijsselbloem, assim decorre da imprensa internacional - ou seja, a solicitar o afastamento de uma instituição europeia do único responsável de topo que é da família política do Partido Socialista”, sustenta Álvaro Santos Almeida, no Conversas Cruzadas, na análise à polémica metáfora do presidente do Eurogrupo na entrevista ao “Frankfurter Allgemeine Zeitung”.

“Ver António Costa a fazer o jogo do Partido Popular Europeu - PPE que aproveita a oportunidade de se livrar do único socialista num lugar de topo europeu - é sinal de que para António Costa não há solidariedade política, não há interesse nacional que se sobreponha à vontade mesquinha de vingança pessoal”, diz o economista.

“Vingança pessoal foi o que António Costa fez com Jeroem Dijsselbloem, foi isso que fez com Teodora Cardoso, foi isso que fez, e está a fazer, com Carlos Costa. Esse aspecto é aqui o mais grave desta polémica: ter um primeiro-ministro que se rege por vingançazinhas pessoais atacando toda a gente que não faz a festa com ele”.

Antes ainda de criticar a gestão do primeiro-ministro na “polémica Dijsselbloem”, Álvaro Santos Almeida diz ser preciso distinguir pontos prévios: “a boçalidade sem sentido” da frase e a tese de que se gastou exageradamente nos países do sul“. Importa referir a boçalidade da expressão utilizada pelo sr. Dijsselbloem. É altamente infeliz e ninguém concorda com uma expressão desta natureza aludindo a ‘gastar dinheiro com copos e mulheres’. É algo que não faz sentido nenhum. Esta é uma parte da análise”, afirma o antigo quadro superior do FMI, em Washington.

“Outro aspecto é a ideia de que houve gastos exagerados nos países do sul. E aí, não sei como se pode, ao mesmo tempo, estar a analisar a Caixa Geral dos Depósitos e os empréstimos feitos e não concordar com a substância da afirmação do sr. Dijsselbloem. Como se pode falar do Parque Escolar e não pensar nessa afirmação”, diz.

“Obviamente que houve gastos exagerados quanto mais não seja ao abrigo do critério básico - o primeiro de todos - que é gastar em função daquilo que se têm. Por definição, se temos défice e se temos dívida é porque se gastou mais do que se tinha. Por definição é assim. Portanto quanto a isto não há qualquer tipo de dúvida”, afirma Álvaro Santos Almeida.

“Terceiro ponto: a reacção às declarações do sr.Dijsselbloem que me parece perfeitamente despropositada. Se todos os responsáveis políticos que utilizam expressões boçais fossem demitidos o que deveria ter sido feito ao ministro da "feira de gado"? Augusto Santos Silva devia ter sido demitido”, diz.

“Achei ridículo que o mesmo ministro que usa, ele próprio, a expressão "feira de gado" - também uma expressão infeliz - e não se demitiu, nem o primeiro ministro o demitiu, tenha vindo exigir a demissão de alguém que também usa uma expressão infeliz e pela mesma razão”, critica o professor de economia da Universidade do Porto.

Luís Aguiar-Conraria contrapõe: “Mas Augusto Santos Silva pediu desculpa na primeira oportunidade que teve” com Santos Almeida a retorquir que “Jeroem Dijsselbloem também pediu desculpa. Foi como Augusto Santos Silva”.

“Não. Não pediu”, insiste o professor de economia da Universidade do Minho. “Na primeira oportunidade que teve para o fazer, claramente não pediu. E, depois, veio dizer um 'se alguém se sentiu ofendido, então...' e isso não é um pedido de desculpa formal. Isso é eu dar-te um murro e dizer desculpa se te magoei. Isso não faz sentido”, diz Luís Aguiar-Conraria.

Luís Aguiar-Conraria: “É errada a tese de Dijsselbloem”

Já Luís Aguiar-Conraria diz ser importante debater se a metáfora de Jeroem Dijsselbloem representa mais que uma metáfora infeliz. “Quanto ao machismo das declarações, a falta de oportunidade tudo isso é óbvio e estaremos todos de acordo que foi muito infeliz, mas o que interessa mais é discutir se este discurso representa a forma como somos olhados pelo cidadão europeu médio da Europa do Norte”, afirma o economista.

“Para nós a possibilidade é, de facto, assustadora, e faz lembrar as palavras de Wolfgang Schauble, a semana passada, o 'vejam lá se não precisam de resgate' porque, de facto, estes países parecem estar a perder a paciência connosco”.

“Agora se deixar de lado a parte da forma e centrar na substância acho também que as declarações de Dijsselbloem também são criticáveis. Esquecendo a frase "as mulheres e a aguardente", esta tese de que se andou a malbaratar dinheiro e - está aqui implícito - que bastava não termos esbanjado dinheiro para os problemas estarem resolvidos, constitui uma visão muito errada dos problemas que a Europa tem. Para resolver os problemas não basta agora, de repente, passarmos a gastar menos dinheiro. Se assim fosse a austeridade tinha resolvido os problemas em Portugal e não resolveu”, faz notar Luís Aguiar-Conraria.

“Não resolveu? Resolveu os problemas do défice”, interpela Álvaro Santos Almeida. “Não. Não resolveu”, responde Luís Aguiar-Conraria. “Continuamos com um crescimento económico baixíssimo e com este crescimento o rácio da dívida pública não vai baixar de forma substancial. Os problemas não se resolvem só com austeridade. Não se resolvem só não esbanjando dinheiro”, diz o professor de economia da Universidade do Minho.

Daniel Bessa: “Louvar-me-ia em Jaime Gama, grande senhor do socialismo”

Já na análise à metáfora da polémica Daniel Bessa relembra que “algumas das maiores complicações em que me meti na vida tiveram a ver com piadas e com exercícios de humor. Às vezes está a correr tudo muito bem e depois eu resolvo meter a minha graça e acabo por estragar tudo”, diz o antigo ministro da economia.

“O sr. Dijsselbloem ia muitíssimo bem na entrevista. O que é que o sr. Dijsselbloem diz? Ponto um: que os povos do Norte não falharam na ajuda e que esperariam dos povos do Sul o reconhecimento e o contributo para que as coisas se corrigissem. Acho tratar-se de uma declaração inatacável. Depois... deu-lhe para a graça e o sr. Dijsselbloem estragou tudo”, afirma Daniel Bessa.

“Mas, por mim, louvar-me-ia num grande senhor do socialismo português. A malta da esquerda - hoje em dia - diz que eu estou muito à direita, mas eu louvar-me-ia num grande senhor do socialismo luso por quem o maior respeito e a quem sempre tirei o meu chapéu. Trata-se de Jaime Gama”.

“Nas 'Conversas à Quinta', promovidas pelo jornal Observador, Jaime Gama disse - e eu nem precisaria de ir tão longe - que estávamos na presença de um bom presidente do Eurogrupo e que teve um momento infeliz. Nisso estaremos todos de acordo”, conclui Daniel Bessa.