Caso das viagens. Duplicação de subsídios é “um exemplo de chico espertismo"
17-04-2018 - 08:15

O presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência, comentou na Manhã da Renascença o caso das viagens pagas em duplicado a deputados dos Açores e da Madeira. “Só degrada a imagem do Parlamento”, defende.

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“É obviamente vergonhoso” e “um caso de chico espertismo do mais baixo nível” o dos deputados insulares que receberam o subsídio de mobilidade pago pela Assembleia da República (500 euros por semana) e mesmo assim pediram o reembolso do das viagens efetivamente realizadas. É a opinião de João Paulo Batalha, presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência.

O caso já levou à demissão do deputado do Bloco de Esquerda Paulino Ascensão (Madeira) e, na última noite (segunda-feira), a social-democrata Sara Madruga da Costa (Madeira) anunciou a devolução das verbas recebidas, antes mesmo do parecer pedido pelo PSD à subcomissão de ética do Parlamento, para esclarecimento desta situação.

Sara Madruga da Costa admite que sempre teve dúvidas sobre o seu acerto, “mas não só não as esclareceu como acabou seguindo a prática disseminada pelos outros deputados eleitos pelas ilhas – o que mostra há numa cultura no Parlamento que é olhar para um lado e para o outro e, se ninguém repara, pode-se fazer”, critica o presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência na Manhã da Renascença.

João Paulo Batalha considera, por isso, que “nunca há um pensamento ético sobre este tipo de coisas nem sobre o que seria de bom senso evitar, mas uma cultura relativamente disseminada de aproveitar todos os buracos, todas as lacunas, todas as oportunidades da lei”.

O socialista Carlos César também é implicado no caso e já afirmou que agiu de acordo com a lei e que é uma questão do foro pessoal. “Ele representa o arquipélago dos Açores na Assembleia da República, é pago para isso obviamente e é pago para poder deslocar-se entre os Açores e o continente. Tudo isso é feito em representação da população açoriana e em serviços como deputado do Estado”, diz João Paulo Batalha.

“Haverá viagens do foro pessoal, mas evidentemente a maneira como ele gere as que faz entre os Açores e o continente, pagas pelo contribuinte, são tudo menos do foro pessoal”, sublinha.

“Há uma cobardia estrutural no Parlamento”

Na opinião do presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência, este caso de duplicação de subsídios mancha a imagem dos deputados afetados e do próprio Parlamento, onde “há uma cultura enraizada de aproveitar este tipo de esquemas para compor o rendimento dos deputados”.

“Isto, porque há uma cobardia estrutural no Parlamento de não discutir os vencimentos dos deputados. Os deputados queixam-se sempre que ganham pouco dinheiro – e acho que esta é uma questão que pode e deve ser discutida – mas, em vez de termos um ordenado fixo para os deputados que seja minimamente consentâneo com as [suas] responsabilidades, preferem manter um ordenado base que eles próprios se queixam de ser baixo, e depois há uma prática generalizada de compensá-lo como puderem, com este tipo de subsídios e outros casos relativamente semelhantes”, explica João Paulo Batalha.

O presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência lamenta ainda que o caso vá ser analisado como se de uma questão jurídica se tratasse – “geralmente, a subcomissão de ética faz uma leitura jurídica das questões” – e “há aqui uma falha ética gritante destes deputados, acobertada pelo Parlamento ao longo deste tempo todo”.

A notícia da duplicação de abonos para deslocações dos deputados eleitos pelas regiões autónomas foi avançada no sábado pelo “Expresso”. O caso envolve sete deputados eleitos pelos círculos eleitorais da Madeira e dos Açores, entre os quais Carlos César, Lara Martinho, João Azevedo Castro, Luís Vilhena e Carlos Pereira (PS) e Paulo Neves (PSD), além de Sara Madruga da Costa e Paulino Ascensão (BE).

Segundo o semanário, “os deputados dos Açores e da Madeira recebem [para as suas deslocações semanais] uma compensação do Parlamento no valor fixo de 500 euros, mesmo que não viajem e sem necessidade de apresentar comprovativo de voo”.

Além disso, os eleitos pelas ilhas podem ter parte das suas viagens reembolsadas ao abrigo do Subsídio Social de Mobilidade, desde que apresentem o comprovativo/bilhete nos CTT – uma regra que se aplica a qualquer cidadão que resida nos arquipélagos. No caso dos Açores, o Estado reembolsa despesas acima de 134 euros e, no caso da Madeira, acima dos 86 euros, até ao limite de 400 euros.

Os deputados de círculos eleitorais fora de Lisboa têm igualmente um valor para as deslocações semanais, mas não é fixo, sendo pago ao quilómetro.

Contactados pelo “Expresso”, os sete deputados referidos não negam a acumulação de verbas recebidas, dizem ter cumprido a lei e alegam que os preços das viagens dependem da época do ano, sendo que nem sempre arranjam lugares nos voos em classe económica (como pressupõem os serviços da Assembleia da República).