Os EUA e a NATO – mudança de rumo?
07-07-2018 - 09:40

Os europeus já não podem confiar nos EUA para os defender. Daí a urgência em se empenharem na construção de uma defesa europeia, complementar da NATO.

Na próxima semana realiza-se em Bruxelas uma cimeira da NATO. Trump não gosta de organizações multilaterais em geral e da NATO em particular. Pela primeira vez desde a II guerra mundial os EUA parecem desinteressar-se da organização de defesa que eles próprios criaram. Há quem receie, por exemplo, que Trump corte financiamentos americanos à NATO e/ou que diminua o número de efetivos militares americanos na Europa. Acresce que, pouco depois, Trump se irá encontrar com Putin em Helsínquia a 16 deste mês. Ora recorde-se a ligeireza com que Trump decidiu suprimir os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul quando se encontrou com Kim Jong-un – exercícios que o presidente americano considerou “provocatórios” e um gasto injustificado de dinheiro…

A mudança da política externa americana prosseguida por Trump preocupa os aliados dos EUA, que já não são tratados como verdadeiros aliados – veja-se a guerra comercial e o mal que Trump diz da UE. Mas na área da defesa há que reconhecer que os países europeus se puseram a jeito para serem maltratados. Sucessivos presidentes dos EUA pressionaram os aliados europeus para investirem mais em defesa e segurança. Mas a resposta europeia tem ficado muito aquém do necessário, o que pode dar a Trump um pretexto para, se não extinguir a NATO, pelo menos reduzir a capacidade operacional da Aliança Atlântica.

Em 2017 as despesas militares e de segurança dos EUA ultrapassaram os 3% do PIB. O objetivo ao qual se comprometeram os seus parceiros na NATO é de gastarem nesta área 2% do PIB. Mas a maioria fica muito abaixo. Portugal, por exemplo, gasta apenas 1,3% do PIB na área militar. Já em França (que, com o Reino Unido, é um dos dois países da UE com armas nucleares) os gastos em defesa e segurança representaram no ano passado 2,3% do PIB. Pelo contrário, a Alemanha ficou-se pelos 1,2%, o que muito irrita Trump – aqui com alguma razão.

Defesa europeia

Recorde-se que a integração europeia começou em 1952 com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, dois sectores não apenas de grande importância económica mas também relevantes, na altura, no plano militar. E logo a seguir, ainda antes de nascer a CEE (Mercado Comum), foi negociada uma Comunidade Europeia de Defesa (CED), juntando os tradicionais países inimigos França e Alemanha. Só que a CED foi chumbada na Assembleia Nacional francesa, com os votos de gaullistas e de comunistas. A integração europeia prosseguiu pela via económica.

O problema foi que, a partir daí, os europeus de certo modo “adormeceram” para a necessidade de se defenderem militarmente, confiando no “guarda-chuva” nuclear americano e nas consideráveis forças militares que Washington mantinha na Alemanha. Os EUA agiam racionalmente, ao enfrentarem logo na Europa a ameaça do expansionismo soviético – o qual, depois da II guerra mundial, tinha passado a dominar uma série de países do Leste europeu. Mas, terminada a guerra fria, será que a NATO deixou de fazer sentido?

A resposta é não. As ameaças agora são outras e mais diversificadas, mas são reais. Basta lembrar o que a Rússia de Putin fez na Geórgia e sobretudo na Ucrânia – e poderá vir a fazer nos países bálticos. Ou o terrorismo islâmico. A novidade, com Trump, está em que os europeus já não podem confiar nos EUA para os defender. Daí a urgência em se empenharem na construção de uma defesa europeia, complementar à NATO.

Coordenar defesas nacionais

Uma defesa europeia significa ultrapassar os problemas suscitados pelo facto de cada país da UE ter sistemas de defesa diferentes uns dos outros e frequentemente incompatíveis entre si. Multiplicam-se as inúteis duplicações nos gastos europeus em defesa. Na UE coexistem nada menos do que 178 sistemas de armas. Em boa parte por causa disso, a UE gasta metade do que gastam os EUA em defesa, mas não consegue atingir sequer metade da eficiência americana. Além de que, assim espartilhadas, as indústrias de armamento na UE não operam com adequadas economias de escala nem com um nível de concorrência que estimule a eficácia e a produtividade.

A fraqueza militar europeia retira credibilidade às tentativas de formular e aplicar uma política externa comum. Apenas 3% (40 mil soldados) das tropas europeias operam fora das fronteiras da UE, contra 200 mil militares americanos estacionados no estrangeiro. Assim, por exemplo, a Europa pesa politicamente muito pouco nos problemas do Médio Oriente.

Tudo isto é bem conhecido há longo tempo. No entanto, as posições protecionistas e isolacionistas da América de Trump tornam urgente que os europeus passem finalmente à ação, coordenando as respetivas forças militares – e investindo mais na defesa, nomeadamente no sector logístico. A França de Macron tem liderado esforços neste sentido, não excluindo dessa cooperação o Reino Unido, apesar do Brexit. Mas a resposta alemã é ainda insuficiente.

Note-se que a defesa europeia sempre foi encarada na UE como integrada na NATO e complementar da Aliança Atlântica. Americanos e ingleses recearam, por vezes, uma defesa europeia separada e concorrente da NATO. Mas agora a ameaça – nada imaginária - à NATO parte de Washington, não de Bruxelas.