A Itália entre a peste e a cólera
07-03-2018 - 06:13

Os italianos passaram de entusiastas da integração europeia a eurocéticos. A UE tem responsabilidades nesta evolução negativa.

A Itália é um país riquíssimo em património artístico e cultural. Ainda antes do império romano várias civilizações passaram pelo território, ou por parte dele, daquilo que é hoje o Estado italiano.

A unificação do país é relativamente recente, tem um século e meio. Não surpreende, assim, que um dos partidos vencedores das eleições de domingo passado, a Liga do Norte, defenda a “desunificação” da Itália, com o Norte a constituir-se numa nova nação, livrando-se do Sul, que considera cronicamente subdesenvolvido e minado pelas várias máfias.

Politicamente, ganhou a extrema-direita. Mas não foi a Itália governada durante cerca de trinta anos pelo fascismo de Mussolini, apesar de toda a cultura acumulada no país ao longo de séculos? Mais recentemente, Berlusconi dominou a política italiana durante cerca de dez anos. Mas preocupou-se mais com os seus problemas na justiça do que com reformas no país. Agora, as hipóteses de formar governo em Roma oscilam entre o mau e o péssimo.

País fundador da integração europeia, na Itália predominam hoje os eurocéticos e os populistas. Como foi possível? A entrada no euro, logo no início da moeda única, prejudicou a competitividade da indústria italiana, que nas décadas seguintes ao fim da II Guerra Mundial tinha operado um muito elogiado “milagre económico”.

A própria instabilidade governamental, um problema endémico, fora durante trinta e tal anos compensada por um bom dinamismo económico e exportador, sobre no Norte do país.

A falta de concorrência interna e o poder das “corporações” na defesa intransigente dos seus interesses instalados limitaram a capacidade da economia italiana se modernizar e tornar competitiva na globalização, mesmo com uma moeda forte como o euro (que pôs fim às desvalorizações cambiais da lira). Algo semelhante aconteceu entre nós, em Portugal, mas o notável crescimento recente das exportações parece mostrar que o nosso país “deu a volta”.

A estagnação da economia italiana explica que, só no ano passado, cem mil pessoas tenham emigrado. Mas o grande problema da Itália é agora o excesso de imigrantes. Com a Grécia, a Itália é o país europeu mais atingido pela entrada maciça de gente vinda do outro lado do Mediterrâneo. Muitos morrem tragicamente na travessia.

Ora, a União Europeia pouco ou nada ajudou a Itália (e a Grécia) a lidar com este afluxo de imigrantes. Manteve-se, assim, o princípio, hoje obsoleto, de que o Estado membro da UE onde primeiro cheguem os migrantes fica responsável por eles.

Falharam todas as tentativas para alocar quotas de imigrantes pelos vários países da Europa comunitária. Alguns deles, como a Polónia e a Hungria, recusam-se a receber um imigrante que seja. Se a Itália é agora tão eurocética, parte da culpa dessa situação é dos seus parceiros europeus.