O novo confronto mundial
18-03-2017 - 10:25

O grande confronto, hoje, dá-se entre regimes abertos e liberais, de um lado, e regimes fechados e autocráticos, do outro.

No próximo dia 16 de Abril realiza-se na Turquia um referendo sobre uma lei que dará a Erdogan vastos poderes. Caso vença o referendo, o Presidente turco passará a chefiar o governo, desaparecendo o primeiro-ministro, como acontece nos Estados Unidos. Com algumas importantes diferenças: Erdogan poderá controlar a justiça, incluindo o Tribunal Constitucional, e será autorizado a governar por decreto, ultrapassando o Parlamento.

Será, assim, reforçada a deriva autoritária na Turquia, onde milhares estão presos por motivos políticos, incluindo dezenas de jornalistas. E foram ali realizadas purgas gigantescas nas forças armadas, no sistema judiciário, na educação e na polícia. O motivo – ou o pretexto – foi uma aparente revolução abortada em Julho.

Ganhar este referendo explica, em parte, os insultos que Erdogan dirigiu à Alemanha e sobretudo à Holanda, por terem impedido comícios no seu território com a participação de políticos turcos – como, aliás, fizeram outros países europeus. Porquê tanta violência verbal? Talvez sejam provocações para preparar um corte com os aliados ocidentais – uma sério problema para a NATO, a que a Turquia ainda pertence.

Acirrando este conflito, Erdogan visa também obter os votos dos emigrantes turcos no referendo e ajudar as forças anti-imigrantes e anti-UE em vários países europeus. Parece paradoxal, mas não é.

Aproximação Erdogan-Putin

Existe, agora, um claro alinhamento entre os políticos autoritários, favoráveis à chamada “democracia iliberal”, hostis à integração europeia e à democracia liberal. Erdogan aproxima-se de Putin; a Turquia comprou à Rússia mísseis antiaéreos e antimísseis, que antes eram fornecidos por países ocidentais.

Erdogan, que está a islamizar o seu país, apoia Putin no esforço para enfraquecer as democracias liberais do Ocidente. Em parte por se ter frustrado a prometida integração da Turquia na UE; e porventura, também, porque o islâmico Erdogan aposta vir a liderar um grupo significativo de países árabes e muçulmanos opondo-se aos “infiéis” ocidentais. Países onde, falhada a primavera árabe, predominam as autocracias.

Da parte de Putin não existe propriamente ideologia antidemocrática, mas a exploração de um profundo ressentimento da população russa por ter visto o seu país passar de superpotência no tempo do comunismo para uma mera potência regional, economicamente fraca (sobretudo quando, como agora, o preço do petróleo está baixo). Terá também havido, aí, algum descuido da parte ocidental, que no alargamento da NATO e da UE não teve em devida conta a sensibilidade russa ao cerco.

É o que explica o apoio, incluindo financeiro, que Moscovo actualmente presta aos partidos xenófobos e eurocépticos da Europa. No tempo da União Soviética esta contava com aliados na Europa ocidental – os partidos comunistas, em Itália e França sobretudo; agora Putin cultiva os seus amigos xenófobos e eurocépticos na UE.

Trump do lado iliberal

E os Estados Unidos, como se situam neste conflito? Os EUA estão divididos. Mas é indubitável que Trump e quem o apoia não apreciam a democracia liberal. O Presidente americano, que julgava ter o poder quase absoluto de um CEO empresarial, já começou a perceber que há limites democráticos internos e não gosta deles. E vê a imprensa livre, indispensável à democracia, como seu inimigo principal. Na economia Trump promove o proteccionismo, a rejeição de acordos multilaterais e a hostilidade ao imigrante. Não surpreendem, assim, as curiosas ligações de Trump e seus colaboradores à Rússia de Putin.

O grande confronto actual é, pois, entre sociedades abertas e liberais, de uma parte, e sociedades autoritárias e fechadas, da outra. A novidade é ver os americanos – ou boa parte deles – do outro lado da barricada, combatendo valores democráticos e uma ordem internacional que os EUA ajudaram a construir depois da II Guerra Mundial. Infelizmente, também a UE conta entre os seus membros países cujos governantes defendem a “democracia iliberal”, como a Hungria e a Polónia.

Mas o regime de Trump poderá não durar muito. Como sempre, quando os demagogos chegam ao poder enfraquecem, porque não conseguem concretizar muito do que prometeram. Vejam-se os problemas decorrentes de acabar com o Obamacare: 24 milhões de americanos poderão ficar privados de seguro de saúde. Há congressistas republicanos que não apreciam essa possibilidade, receando pela sua próxima reeleição.