A globalização recua?
26-08-2017 - 10:45
 • Francisco Sarsfield Cabral

A globalização financeira diminuiu muito desde a crise do “subprime”.

Há elementos da globalização que estão a andar para trás. Nada de surpreendente. A globalização é uma tendência de longo prazo, para cujo início os descobridores portugueses contribuíram há quinhentos anos. Antes da I Guerra Mundial o mundo estava mais globalizado do que nos anos 30 do século passado. Não é um processo linear e alguma contenção da globalização pode ter aspectos positivos.

Hoje assistimos a um confronto entre nacionalistas económicos, proteccionistas, que se opõem à globalização, e defensores do livre comércio e da globalização. Mas sempre houve. Na Grã-Bretanha da revolução industrial o proteccionismo na importação de cereais apenas foi abolido em 1846, após uma longa batalha política. E o período entre as duas guerras mundiais do séc. XX ficou marcado pelos altos direitos alfandegários, bem como pelas desvalorizações cambiais competitivas - cada país baixava o câmbio da sua moeda para exportar mais e importar menos.

Terminada a II Guerra Mundial, os países ocidentais compreenderam que o proteccionismo acabava por prejudicar toda a gente. Seguiram-se décadas de forte crescimento económico. Houve entretanto uma descida geral dos direitos alfandegários. No quadro do GATT e depois da Organização Mundial do Comércio, foram obtidos alguns acordos globais favoráveis ao livre comércio internacional, com significativas baixas de impostos aduaneiros. E na Europa comunitária o mercado único reduziu os obstáculos não pautais ao comércio entre os países membros

Proteccionismo americano

Agora a administração Trump quer regressar ao proteccionismo, embora a fúria contra a globalização possa abrandar um pouco com a saída da Casa Branca do nacionalista económico radical Steve Bannon. A enorme dimensão dos EUA permite algum proteccionismo sem graves e imediatos danos económicos – já uma pequena economia como a portuguesa seria destruída se tivesse sérias limitações em importar e exportar.

O problema está em que, sendo adversária da globalização, a Administração Trump não está virada para aquilo que é mais necessário para a dominar, evitando que a economia se sobreponha à política: um enquadramento jurídico e político à globalização, como têm pedido sucessivos Papas católicos desde há décadas. Tal enquadramento exigiria respeito pelo direito internacional e pelas organizações multilaterais. Algo que não está no ADN de Trump e dos seus seguidores.

Quem deu um abalo – e provocou um recuo – na globalização foi a crise desencadeada a partir dos EUA em 2007 (“subprime”) e depois transmitida a quase todo o mundo. Essa crise atingiu sobretudo o sector financeiro, aquele onde a globalização mais rapidamente tinha avançado, graças à informática e à internet. Tornara-se possível movimentar milhões a partir de qualquer parte de mundo e para qualquer destino, em escassos minutos.

Menos globalização financeira

Ora desde aquela crise a globalização financeira abrandou e muito. Um recente artigo do “Financial Times” (FT) dá conta dessa evolução.

Em 2016 apenas cerca de um terço do volume de dinheiro registado em 2007 atravessou fronteiras. Uma queda de 65% na circulação internacional de capitais. Depois do susto, os bancos – sobretudo os europeus - voltaram-se mais para o seu mercado interno e menos para dar crédito a Estados e empresas noutros países. O sector menos global da economia mundial é agora a banca, segundo uma economista da McKinsey citada pelo FT.

É uma evolução favorável, na medida em que o excesso de capitais a circularem por todo o mundo (em resultado da desregulação financeira) foi um dos factores da crise, que levou à Grande Recessão (mas não à depressão, graças à decidida intervenção estatal nos mercados, desde logo nos EUA). Muito daquele dinheiro, lembra o FT, acabaria por “aterrar” nos EUA, agravando ali a bolha imobiliária, que em breve iria rebentar.

A maior parte do capital que hoje circula no mundo é investimento directo estrangeiro, o que à primeira vista parece saudável. Mas muito desse dinheiro não se destina a criar e manter novas empresas ou a aumentar a capacidade produtiva de empresas já existentes – trata-se de movimentos de capitais no interior de grupos multinacionais, em busca dos países ou territórios onde paguem impostos mais baixos, como é o caso da Irlanda.

Entretanto, diminuiu o excedente externo da China, de onde vinha boa parte do excesso de liquidez que há uma década circulava pelo mundo. Agora a Alemanha tem um excedente externo superior ao chinês. Mas esse é um problema que deveria ser tratado no quadro da União Europeia.