A “tolerância” intolerante
26-07-2017 - 06:17

Numa democracia adulta e num debate político civilizado, não haveria lugar para Ventura. Mas como as democracias se estão a abastardar, os "Venturas" proliferam e o maior deles até já chegou à Casa Branca.

No Expresso do passado Sábado, Daniel Oliveira defendeu que o "politicamente correto" não significa outra coisa senão "mínimos de civilidade no debate político". Estava a referir-se ao caso André Ventura e à forma como, segundo ele, o candidato do PSD à Câmara de Loures entrou na "alarvidade", ao proferir declarações "racistas" contra os ciganos, promovendo um "discurso de ódio". Aceitemos, por ora, o argumento e a adjetivação de Daniel Oliveira. Não conheço André Ventura pessoalmente, nem o conhecia sequer, até, por zapping televisivo, o ter visto perorar, duas ou três vezes, na CMTV, em debates sobre crime ou justiça, ou num programa de comentário futebolístico que descobri chamar-se «Pé em Riste» (o título diz tudo sobre o tom da coisa!). Provando como o sensacionalismo televisivo promove famas imerecidas, não é errado considerar que o estilo político-mediático de André Ventura faz dele o candidato CMTV. A sua imagem é facilmente atacável, porque nela abundam o histrionismo, o populismo e a falta de tato. Numa democracia adulta e num debate político civilizado, não haveria lugar para Ventura. Mas como as democracias se estão a abastardar, os "Venturas" proliferam e o maior deles até já chegou à Casa Branca. Daniel Oliveira tem, pois, alguma razão. Mas não a tem toda.

Esqueçamos o estilo Ventura. O que foi que ele realmente disse, não pela forma, mas na substância? Que os discursos politicamente corretos de multiculturalismo estão a falhar e que há, em Portugal, comunidades etnicamente excludentes ou de imigração não integrada onde proliferam problemas vários, de resistência ao Estado de direito (versão legal-ocidental), de "parasitismo" ou de violência. André Ventura objetivou na comunidade cigana; eu escrevo em termos gerais. Acaso isto é mentira? Sim, também há brancos de classe média delinquentes, e devemos falar deles. Mas não podemos falar dos outros? Denegrir Ventura como um pária quase fascista resolve os problemas que se acumulam nas franjas das grandes cidades, e não só? Não me parece.

A questão do politicamente correto é muito mais vasta do que o sobressalto produzido pelas infelizes declarações de um candidato acidental, ou pelas não menos infelizes declarações de um prestigiadíssimo médico (Gentil Martins, ao referir-se à homossexualidade como uma "anomalia"). A questão é que os polícias dos bons costumes são os mais intolerantes defensores de uma, uma só – a sua – "tolerância". No mundo do politicamente correto, que é, não haja dúvidas, um mundo de pensamento único, de militância furiosa e de radical distinção entre bons e maus, não há lugar para o que as modas progressistas desconsideram (em nome de quem e com que legitimidade?), como conservador, nacionalista, ocidental, heterossexual, patriarcal, etc. Ao exagero de linguagem de André Ventura ou de Gentil Martins (e note-se que só para este efeito os coloco lado a lado...), responde-se com o zelo pidesco da criminalização da opinião alheia; a diferença torna-se, em algumas mentes, um verdadeiro delito de opinião. E aqui pergunta-se: não deve a tolerância aceitar que haja quem não considere que a etnia cigana (ou outras) cumpre as leis, ou que ache e diga que a homossexualidade é uma opção errada? Eu não confundo Daniel Oliveira com, por exemplo, Isabel Moreira, do PS, ou com qualquer um dos zelotas do BE. Mas tenho para mim que a intolerância do politicamente correto está, também ela, abaixo dos mínimos de civilidade de que todos deveríamos cuidar se queremos continuar a viver numa verdadeira democracia. Além de que, como é sabido, é a intolerância de uns que gera, em círculo vicioso, a intolerância dos outros...