​O novo ciclo de Dupont
15-01-2018 - 19:34

O PSD disse quem queria que o liderasse. É bom que tenha acertado na escolha. Os líderes a dois anos não servem para estes tempos.

Abriu-se no sábado um novo ciclo para a liderança da oposição. Dito de outro modo, o país virou então uma nova página do pós-troika.

Para Costa, quer a sua preferência fosse Rio ou Santana à frente do PSD, ficará agora mais difícil a sua tarefa de timoneiro da geringonça. Até agora, o fantasma troikista facilitava-lhe a vida de tal forma que as alfinetadas já só se dirigiam à bancada do CDS, cujo crescimento parecia inevitável a cada debate em que o PSD ia perdendo por inabilidade ou falta de comparência.

Em contrapartida, se as coisas correrem de feição a Rui Rio, correrão também de feição para Costa deixando-o mais livre para descolar, no momento certo, dos seus parceiros informais de coligação.

O poder que António Costa tinha até aqui “preso por arames” passará a estar mais ou menos assegurado por duas alianças possíveis. Abrindo-se-lhe uma nova margem de manobra, reforça-se, paradoxalmente, também a do PSD (porque o voto útil nos socialistas deixará de se impor como único recurso aos antigeringoncistas cépticos na possibilidade de a direita chegar a 2019 com 116 deputados).

Numa coisa Santana tinha razão: os Dupont e Dupont serão sobretudo Rio e Costa , cujos destinos passarão a andar a par. Do futuro de um dependerá a margem de manobra do outro.

Rui Rio tem proveito de “autoritário” e fama de fazedor. Entrará no decisivo período de estado de graça em que ainda poderá provar que a fama de autoritário é uma invenção da “corte lisboeta” e a obra que lhe é imputada é fruto de uma autêntica visão reformista acompanhada de uma notável capacidade de enfrentar os vários poderes instituídos e interesses instalados.

Não basta dizer que o partido não nasceu com vocação de clube nem agremiação de interesses individuais. É preciso devolver-lhe a aura original de partido transversal a todo o país de classe média e pequeno empresariado, pouco atreita a disputas ideológicas, pragmaticamente pró-iniciativa privada, solidária, preocupada com o combate à pobreza, mas pouco atreita à subsidio dependência. Pela liberdade de escolha e aberta à Europa e ao mundo.

Rio tem já entre os que o vêem como líder a prazo de dois anos bastante mais do que Miguel Relvas a quem dirigiu um aviso infeliz (diria mesmo primário!). “Eu também sei como se fazem essas coisas” (cito de memória). É isso mesmo que se teme. O defensor da política “sem truques”, chegada a hora, não se pode mostrar perito em recorrer a eles. O segundo debate já foi um murro no estômago para os “puros” que nunca imaginavam ver Rio a jogar as mesmas cartadas do adversário.

Afinal, Rio também lê jornais e também os colecciona. Melhor assim. Os tempos dos tecnocratas, dependentes dos respigos de imprensa, já não se adaptam aos vários mundos comunicacionais onde hoje também se joga o poder. O mito de que os jornalistas só vivem de tricas que não interessam a ninguém é apenas um mito, tal como o do aparelho ferozmente santanista ou passista. O aparelho saberá ajustar-se ao poder de quem o tiver em mãos, bastante mais depressa do que Rio conseguirá identificar amigos e traidores.

Quando os jornalistas deixarem de ser necessários à manutenção da liberdade de imprensa é caso para dizer que esta já não existe.

O país também é o PSD e como ele saberá escolher a cada passo quem o pode levar mais longe no derrube de Costa ou mais essencialmente no derrube da força dos dois parceiros alcandorados em poder pelo simples facto de que a direita somada não chegou à maioria absoluta. Da próxima fiará mais fino.

O voto útil que Santana se arriscava a oferecer de mão beijada ao PS poderá desta vez ser desviado de Cristas para Rio, uma vez que o PS deixará de ficar acantonado à esquerda mesmo que não obtenha a almejada maioria.

O líder do PS é uma velha raposa política e só se mostrará pronto a abdicar das suas preciosas muletas no momento certo. Até lá, Rio que se cuide e trabalhe sozinho em virtuais consensos.

O risco da estratégia é, no entanto, grande. Ou Rio alinhava umas linhas programáticas que mostrem consistentemente uma vontade de reformar a sério o que falta mudar ao país ou se continua a resumir o programa a “maior sensibilidade social”, mais exportações e mais investimento, umas vagas fórmulas de cálculo das reformas em função do ciclo económico e bem no fundo ainda maior austeridade (traduzida em excedentes orçamentais!) arrisca-se a perder a parada. Para isso, já Cristas começou a correr em pista própria há bastante mais tempo.

A sociedade dita civil há muito que já não se revê nos partidos tradicionais. Rio terá também uma oportunidade única de mostrar que o PSD sabe abrir-se e renovar-se com novos talentos, novos empresários jovens académicos. Gente com carreira feita e ideias próprias que não aspira a “boy”, mas não se importa de dar um contributo para a renovação da classe política e o desenvolvimento do país. Há gente assim, dentro e fora do país e nas mais diversas cidades. Muitos em pequenos viveiros “fora da corte” que aliam a teoria à prática e estão prontos a arriscar.

Se o Papa considera que a guerra nuclear está por “um fio”, a liderança das nações exige ser entregue não apenas a quem saiba colocar o interesse do país muito antes dos interesses dos partidos, mas sobretudo a quem saiba ver em que mundo se enquadra o interesse do país.

O PSD disse quem queria que o liderasse. É bom que tenha acertado na escolha. Os líderes a dois anos não servem para estes tempos. As más oposições tornam maus até os bons governos. E estes não se impõem por ganhos conjunturais ou meras aparências. Vamos alegremente a caminho da terceira década perdida.