Julga-se diferente do “monstro” de Barcelos?
31-03-2017 - 07:18

Adelino Briote não é um monstro luciférico, é um homem tal e qual como o meu caro leitor, tal e qual como eu.

Caro leitor, estou certo de que já rotulou o assassino de Barcelos, Adelino Briote, com a palavra “monstro”. É uma atitude compreensível.

É mais fácil criar um cordão sanitário entre si e um homem que degola quatro pessoas como se estivesse a degolar quatro cordeiros. É mais confortável pensar que Adelino não partilha consigo a mesma humanidade, é mais cómodo pensar que ele é feito de outra massa, é mais conveniente assumir que ele é feito a partir de um barro luciférico, qual argila diabólica moldada e cozida nos confins dos infernos. É mais cómodo, mas também é mais errado.

Adelino Briote não é um monstro luciférico, é um homem tal e qual como o meu caro leitor, tal e qual como eu. Nós, eu, você e ele, partilhamos o mesmo pecado original; o mal que ele praticou não está fora do nosso alcance. Sim, nós criámos algo que Briote não tem: mecanismos morais e religiosos que nos elevam acima do pecado original, mas, seja como for, partilhamos com ele a mesma condição de seres caídos. Quando dizem que “Adelino Briote é desumano”, o meu caro leitor e a maioria das pessoas partem do pressuposto de que “ser humano” é o mesmo que “ser bom por natureza”. Onde é que foram buscar essa ideia? Embora tenham um som parecido, “humanidade” e “bondade” não são sinónimos. A humanidade não está separada do mal.

Já sei qual vai ser a sua contra-resposta: se ele não é malévolo, então só pode ser louco; se ele não representa um mal separado da nossa humanidade, então está separado da humanidade por um erro técnico, isto é, por uma doença mental. Lamento, mas o meu caro está de novo equivocado. Adelino Briote não tem uma doença mental incapacitante. Ele não é inimputável.

O homem de Barcelos cometeu aquele crime em consciência. O seu livre arbítrio não estava desligado, estava ligado, ele escolheu matar. Aliás, é esta a natureza do pecado: é uma escolha. Já não se lembra das “Confissões” de Santo Agostinho? Agostinho diz-nos ali que o pecado sabe bem; quando era novo, Agostinho roubava não por necessidade, mas por prazer; tinha gosto quando percebia que a sua inteligência o transformava num ser autónomo em relação à lei e à moral, isto é, tinha gosto em ficar impune.

Adelino Briote matou porque quis, não para ficar impune, mas para provar o sabor da vingança. O mal, meu caro, é uma escolha consciente, não é um acaso provocado por alguém inconsciente.

Briote não é um monstro, é apenas um homem que atingiu o ponto sem retorno. A profundidade deste ponto de ruptura varia de homem para homem, mas todos o têm dentro de si. Não, não estou a perdoar Briote. Estou apenas a recordar um ponto: a diferença entre Briote e o meu caro amigo não é de natureza, é de grau. Portanto, acautele-se, não separe a sua humanidade do mal, perceba que as pessoas que se julgam acima do pecado original são também as pessoas que estão mais próximas desta estirpe de mal. As pessoas que gritam “monstro” à passagem de Adelino Briote são aquelas que, sem o saberem, estão mais próximas do ponto sem retorno. Julgam que Briote é um retrato de Lúcifer, quando na verdade é um espelho.