Com quantos nomes se (des)faz um regime?
15-11-2017 - 06:55

Portugal é facilmente tomável de assalto por um indivíduo ou por uma rede dotados de manhas políticas, dinheiro, muita ambição e combatividade.

Todos os regimes têm os seus escândalos e há escândalos que muito contribuem para erodir regimes: foi assim em 1910, em 1926 e em 1974. A monarquia de D. Carlos e de D. Manuel II sofreu por causa das revelações acerca dos adiantamentos à Casa Real e das fraudes no Crédito Predial.

Entre muitas outras rixas na oligarquia, a I República suicidou-se com o escândalo Alves dos Reis. Já o Estado Novo teve o famoso «Ballet Rose». Do poder político à banca, passando pelos nomes dos ricos e poderosos que pastorearam os portugueses, a cúpula foi pródiga em exibições de corrupção material e moral. O país foi sempre pequeno e curto, no triplo sentido político, económico e sociológico de que toda a gente que é gente se conhece e que com meia dúzia de nomes bem situados uma qualquer clique oligárquica tomava conta do Estado e dos portugueses: eram os rotativos na Monarquia, os maiorais do Partido Democrático na República e as grandes famílias abrigadas por Salazar no Estado Novo; chegada a Democracia, velhos apelidos e novos arrivistas blindaram o condomínio estatal, de que quase tudo depende. E desde a Monarquia ao século XXI, sempre esta elite endogâmica se (auto)reproduziu, defendida pelos seus caciques e influentes, pelos seus facilitadores e “opinion makers”, pelos seus rufias e “maleiros”, a saldo e a soldo.

Com uma sociedade destituída de poderes intermédios, pouco habituada à participação cívica, subserviente por atavismo e muito dependente do emprego, da pensão ou do subsídio do Estado, Portugal é facilmente tomável de assalto por um indivíduo ou por uma rede dotados de manhas políticas, dinheiro, muita ambição e combatividade. Não são, portanto, precisos muitos para fazerem um qualquer regime (que lhes sirva, claro); e quando o castelo de cartas começa a desmoronar-se, são também esses poucos que caem lá do Olimpo, arrastando tudo à sua frente e colocando em causa a própria sustentabilidade da situação em que medraram.

Poderá a famosa Operação Marquês, pela acusação já deduzida e pelo julgamento que ocupará a agenda mediática no futuro, vir a ser um dos coveiros da democracia em que vivemos? Pode, se o seu “romance policial” de quatro mil páginas se revelar verdadeiro, e sobretudo porque será de crer que a coisa não ficará circunscrita aos 19 nomes e 9 empresas arrolados na acusação. José Sócrates, a figura mais sonante, é um caso único de ambição, narcisismo e mitomania; arrisco dizer que não é possível ele ser inocente, embora não saibamos até onde vai o crime dele, nesta teia de política, dinheiro e pouca ética que puxou os cordelinhos e arruinou Portugal ao longo de anos. Os que fizeram o lado sombrio da democracia e que a desfazem a cada crime que se provar, não estiveram, no entanto, tão sozinhos como agora parece. Muita gente assobia para o ar: mas quantos mais sabiam, ou desconfiavam, ou obedeceram, ou lucraram? Quantos serão, no total, os CDT’s (“culpados disto tudo”), neste caso, como noutros, com protagonistas das mais diversas cores políticas?

Ao mesmo tempo que arruínam o país, estas teias de corrupção e escândalo deviam pô-lo a perguntar-se como é possível o Estado e as instituições serem tomados de assalto por gente deste calibre, e o que se deve fazer para que a seleção, o escrutínio e a exigência sejam maiores. São interrogações retóricas. Na verdade, uns quantos nomes (des)fazem o regime; mas também o desfazem os muitos que já não querem saber, que já se renderam ao abstencionismo ou que, pior ainda, continuam a aplaudir o “animal feroz” ou não escrupulizam “oeirizar” Portugal, elegendo com entusiasmo corruptos comprovados para desempenharem cargos políticos de responsabilidade.