A revolta dos sobreviventes em Londres
19-06-2017 - 06:30

Os moradores na torre de habitação social haviam alertado para o perigo. Não foram ouvidos.

Depois do mais mortífero incêndio florestal de sempre em Portugal fará sentido falar do anterior incêndio num prédio de Londres? A tragédia de Pedrógão Grande foi causada, confirma a Polícia Judiciária, por uma “trovoada seca” num dia de calor excepcional. Foi encontrada a árvore atingida por um raio, que desencadeou a tragédia.

Não faltam os “treinadores de bancada”, apontando falhas aqui e ali e argumentando que se devia ter combatido as chamas de outra maneira. Não vou por aí. Claro que se pode e deve sempre melhorar, aprendendo com o que terá falhado, em particular na decisiva área da prevenção. Mas sobretudo saúdo a coragem, por vezes heróica, dos bombeiros e das forças de segurança neste combate desigual.

O caso da torre de Londres é diferente e vale a pena comentá-lo. Tratava-se de um prédio de habitação social perto do centro da cidade, num bairro de gente rica, Kensington.

Moravam no prédio de 23 andares muitos imigrantes, incluindo portugueses. Ora, os moradores tinham alertado várias vezes para os riscos de incêndio daquela torre. As autoridades nada fizeram.

Daí a revolta, a raiva, a fúria dos sobreviventes. Subjacente a esses sentimentos está a ideia de que a atitude das autoridades teria sido outra, caso as queixas tivessem partido de pessoas com um mais elevado estatuto económico e social. E há milhares de milionários a viver em Londres. Também por isso multiplicaram-se os protestos, as manifestações e as vigílias.

A revolta dos sobreviventes não tomou como alvo o “mayor” (presidente da câmara) de Londres e beliscou relativamente pouco as autoridades locais de Kensington e Chelsea, mas concentrou-se na primeira-ministra Theresa May. Esta tomou inicialmente uma posição fria e distante e demorou a contactar as famílias dos mortos e feridos. Quando o fez, foi apupada e insultada pelos sobreviventes.

Já a rainha Isabel II teve uma atitude diferente. Consciente de que a Grã-Bretanha está traumatizada também por problemas políticos (ataques terroristas, o “brexit”, a falhada aposta de Theresa May em aumentar a sua maioria parlamentar, que passou a maioria apenas relativa, a consequente fraqueza do governo de May, etc.) Isabel II aproximou-se das pessoas. E, com realismo, reconheceu ser difícil evitar no seu país, agora, um estado de espírito muito sombrio.