A Itália deixou 268 pessoas (incluindo 60 crianças) afogarem-se no Mediterrâneo?
09-05-2017 - 19:43

Áudio tornado público pela revista "L'Espresso" sugere que as autoridades italianas deixaram um barco cheio de famílias sírias sem qualquer auxílio durante cinco horas.

Reconstituição dos acontecimentos em vídeo pela revista italiana "L'Espresso", utilizando o som das chamadas telefónicas agora divulgadas


Na tarde de 11 de Outubro de 2013, 268 pessoas, incluindo 60 crianças, morreram num bote que afundou a 61 milhas náuticas (112 quilómetros) a sul de Lampedusa, uma pequena ilha entre a Sicília e a Tunísia.

Esta foi considerada, na altura, uma das maiores tragédias da crise de refugiados na Europa, mas só esta semana foi divulgado que tragédia podia, alegadamente, ter sido evitada.

Uma gravação divulgada pela revista italiana "L’Espresso" sugere que as autoridades italianas deixaram afundar o barco cheio de famílias sírias, apesar de terem recebido vários alertas, horas antes do desfecho trágico.

A revista italiana afirma que a Marinha Italiana não disponibilizou qualquer unidade de salvamento, mesmo depois de vários alertas dos passageiros e das Forças Armadas de Malta e apesar de o seu navio “Libra” estar apenas a uma hora e meia de navegação (entre dez a 19 milhas) do pequeno bote.

No áudio, é possível ouvir um dos passageiros, que se identifica como Mohamed Jammo, um médico sírio, a pedir socorro, afirmando que o barco está à deriva, a meter água e com crianças feridas a bordo. Jammo indica a presença de “cerca de cem crianças, cem mulheres e talvez cem homens”. Na realidade, estavam cerca de 480 pessoas a bordo do pequeno barco pesqueiro, que partira da Líbia no dia anterior.

Quando, mais tarde, o passageiro volta a estabelecer ligação com a Guarda Costeira italiana, para perguntar se tinham enviado alguém, uma operadora diz ao médico para ligar para Malta.

“Vocês estão perto de Malta”, disse a operadora. “Liguem a Malta rapidamente, eles estão perto, OK?”.

Mais tarde, o médico volta a ligar para a Guarda Costeira italiana, dizendo que as autoridades de Malta tinham dito que o barco estava mais perto de Lampedusa.

“Estamos a morrer, por favor”, acrescentou.

Nas horas seguintes, as autoridades dos dois países empurram entre si a responsabilidade pelo salvamento. A certa altura, um operador italiano justifica a sua recusa: se o navio de patrulha for destacado para resgatar os refugiados, terá que os transportar para a costa mais próxima, Lampedusa. A viagem deixaria aquela área sem vigilância.

Às 17h07, cinco horas depois do primeiro telefonema, La Valetta exige que Roma mobilize os seus meios, afirmando que um avião maltês sobrevoou a área e verificou que o barco virou, havendo centenas de corpos na água. Só então é que os italianos iniciam a operação de salvamento.

Pelo menos 268 pessoas morreram, incluindo 60 crianças. Cerca de 147 sobreviventes foram levados para Malta e 56 para Itália. Mohamad Jammo sobreviveu ao incidente, com a mulher e uma filha de cinco anos, mas perdeu duas filhas, de seis anos e nove meses. Fugiam à guerra civil na Síria.

Quase quatro anos depois do incidente e das queixas dos sobreviventes, a justiça italiana nunca concluiu as investigações sobre este naufrágio, um dos muitos ocorridos nos últimos anos no mar Mediterrâneo.

Depois da tragédia, o primeiro-ministro de Malta, Joseph Muscat, criticou a falta de acção de outros países europeus. “Como as coisas estão, estamos a construir um cemitério dentro do nosso mar Mediterrâneo”, avisou.