Pedro Marques. "Era o que faltava" que consenso com PSD desestabilizasse a esquerda
14-09-2017 - 00:04
 • Eunice Lourenço [Renascença] e David Dinis [Público]. Fotos: Daniel Rocha/Público

Ministro do Planeamento diz que era importante um consenso sobre os fundos europeus pós-2020 para ter "posição de força" na UE. Lembra que PS também deu apoio a Passos na última legislativa e até elogia o líder do PSD. Quanto à relações à esquerda, diz que "era o que faltava!" que um consenso com o PSD prejudicasse a estabilidade.

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Um Conselho de Ministros Extra deu o pontapé de saída na discussão sobre os próximos fundos comunitários - e os investimentos de que o país precisa. Pedro Marques diz que "o país não compreenderia" que não houvesse um consenso alargado.

O primeiro-ministro disse que gostava, depois das eleições autárquicas, que fosse possível dialogar com o PSD para chegar a consensos sobre os próximos fundos comunitários. Não teria sido mais correcto esperar pelas eleições e só depois iniciar este processo?

O que está em causa nesta fase é começar de forma atempada uma discussão com a economia, com a sociedade - e depois com os partidos políticos - de algo que é demasiado importante para o país, que é toda a estratégia de desenvolvimento para a próxima década.

Este é o tempo certo. Vai haver uma primeira proposta por parte da Comissão Europeia, pelo que, se queremos influenciá-la no primeiro semestre do próximo ano, Portugal tem que saber o que quer. Nós tivemos o cuidado de não procurar de forma artificial consensos políticos apressados, que seriam sempre difíceis neste mês [de autárquicas]. Foi por isso que começámos com um debate económico e social, abrindo um caminho, começando a recolher pistas. No devido tempo chegaremos, estou convencido, a consensos com os partidos, como no passado também foi possível. O país não compreenderia que não nos aproximássemos.

Faz sentido que um Governo que assentou toda a sua existência na contraposição à direita peça, agora, à mesma direita o apoio para um plano de investimento público?

A questão é também de respeito pela democracia. É verdade que a natureza da última legislatura - e desta que decorre - afirmou diferenças claras entre a direita e a esquerda. Porque a política pública parecia condicionada excessivamente por condicionantes externas e foi possível, nesta legislatura, afirmar uma alternativa com sustentabilidade macro-económica e emprego. A democracia é liberdade de escolha, isso é bom para os cidadãos, mas para aquilo que são opções estruturantes para o longo prazo é preciso encontrar consensos mínimos na sociedade, para não andarmos nos avanços e recuos. Um bom exemplo: na legislatura anterior foi possível o maior partido da oposição [o PS] acompanhar a elaboração do actual plano de investimentos e nós, quando chegámos ao Governo, afirmámos a nossa concordância genérica e estamos a executá-lo. Não estamos a propor nada não tenhamos feito, na oposição ou no Governo.

O BE já disse estranhar que o Governo peça o apoio do PSD para este plano. Dar a mão à direita não desestabilizará esta maioria?

Esta discussão será sempre de carácter alargado. Era o que faltava!

O Governo já falou com o Bloco e PCP?

Nós não começámos a falar com o PSD, com nenhum partido político. Este ainda não é o tempo. Com o debate mais avançado, será depois o tempo - com os partidos políticos - de definir quais são os investimentos concretos que contribuem para esses objectivos.

Esta “aproximação” indicia que, nos próximos dois anos, o Governo vai tentar maior aproximação ao centro?

Percebo a pergunta, mas estamos a falar do processo e do financiamento de políticas e investimentos que vão decorrer na próxima década. Não, não lhe estou a falar de uma ruptura da coligação a meio da legislatura, antes pelo contrário. O que digo é que temos de preparar a posição de Portugal junto da UE, estaremos mais fortes se o fizermos. E também se podem procurar consensos na diferença, ou seja, podemos afirmar aquilo em que somos diferentes, mas encontrando os denominadores comuns, apresentando-os em Bruxelas como uma posição de força do país.

As tentativas de consensos não têm tido, até aqui, resultados. Acredita que se consiga um sobre o novo Conselho Superior de Obras Públicas (uma equipa de técnicos), depois de PS e PSD passarem meses sem nomear a fiscalização das secretas, os novos nomes da ERC, por exemplo?

Já seria um grande avanço para o país se regressarmos ao funcionamento do Conselho Superior de Obras Públicas, que proporemos aos partidos, que possa fazer pareceres técnicos detalhados sobre este plano de investimento. Não temos alternativa. Nós viemos de um período bastante traumático nessa matéria: na anterior governação do PS [com José Sócrates] expôs-se muito este tema como fracturante. E depois procurou-se - e conseguiu-se -, a construção do PETI [Plano Estratégico de Transportes e Infra-estruturas, lançado pelo Governo de Passos], porque houve responsabilidade de quem estava na oposição, mas porque houve um processo de debate económico e social bem construído - não tenho nenhum problema com isso. É o exemplo que temos que replicar. E o período da legislatura anterior não foi propriamente um período fácil, em termos de tensão política.

Esta semana, a vice-presidente do PSD e ex- ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque disse que, antes de falar de um plano para o pós-2020, o Governo deve explicar o que vai acontecer ao plano em vigor [o PETI] e que devia ter obras em construção. Deu como exemplos as ligações Sines-Badajoz e Aveiro-Salamanca.

O plano Ferrovia 2020 contempla todas as ligações. Sines-Badajoz está em curso agora, no final do ano lançaremos o concurso para a grande linha que está em falta, que é entre Évora e Elvas. A mesma coisa com a ligação entre os portos de Aveiro e de Leixões, depois até Salamanca - essa ligação que foi considerada prioritária pelo Governo anterior é a que estamos agora a executar também. E aí estamos mesmo em obra, dentro deste quadro comunitário.

Provavelmente não estariam a ser executadas se tivéssemos feito o que sistematicamente aconteceu antes: rasgar o planeamento anterior e fazer mais um debate. Não fizemos assim, demos por bom o processo de planeamento que, no essencial, vinha buscar prioridades que vinham de há 10/15 anos atrás. A minha resposta a esse desafio é: nós estamos a concretizar este planeamento, que vinha do Governo anterior, e isso dá-nos autoridade para dizer que é possível e desejável outro consenso para a próxima década.

A líder do CDS propôs incluir nesse plano as mais de 20 estações de Metro em Lisboa que tem levado para a campanha. Há abertura do Governo?

Mais do que a abertura para discutir o tema dos Metros, há o exemplo do que já fizemos. A maneira como se apresentam 20 estações que condicionariam todo o fundo de coesão para uma década é própria de um período de campanha eleitoral. Mas já anunciámos que a reprogramação do Portugal 2020 vai incluir recursos para um investimento no Metro de Lisboa e do Porto de cerca de 500 milhões de euros. Também procurei incluir na reprogramação investimentos na linha de Cascais. E também temos o sistema de mobilidade do Mondego. Estes três casos, por opção do Governo anterior, não tiveram financiamento no fundo de coesão actual. Neste casos reprogramando o Portugal 2020, e também com mais investimento na próxima década, estes investimentos vão ser possíveis.

Claro que o Governo tem poderes para decidir, mas querendo um consenso, não abrirá debate com a oposição sobre a reprogramação dos actuais fundos?

Será objecto de debate político. Em qualquer caso, a reprogramação do Portugal 2020 tem algumas opções estratégicas que já aqui enunciei.

Mas já tomou essas decisões. Não faria sentido que essa reprogramação fosse também consensualizada?

A reprogramação não alterará estruturalmente os consensos anteriores, fará subir na lista de prioridades alguns projectos que o Governo anterior tinha numa lista, mas sem financiamento. Nós queremos fazê-lo.

Como os fundos europeus disponíveis são os mesmos, o que é que fica para trás?

Vou dar-lhe um exemplo de como vamos buscar financiamento para a rede de metro. O Portugal 2020 orçamentou verbas para eficiência energética para habitações. Temos estado a negociar com o BEI um projecto que permitirá desenvolver essa eficiência energética. Isso permitirá usar esses recursos para os metros. As prioridades essenciais do PETI estão a ser cumpridas. Mas com este conjunto de habilidades financeiras, ou ginásticas financeiras, encontrando recursos onde não existiam (no BEI, no Plano Juncker), vamos fazer mais investimento.

Relativamente à extensão do aeroporto de Lisboa à base do Montijo, entrarão fundos comunitários desta reprogramação?

Não está previsto. Havia trabalho feito nesta matéria, pegámos no projecto, fizemos os estudos que faltavam, fizemos o memorando com o concessionário. O que determina o contrato de concessão é que seja a receita aeroportuária a garantir o investimento.

A concessionária já tem um valor para o investimento?

Não, ainda não tem um valor final - e nem o pode ter enquanto não souber todas as condicionantes ambientais.

Podia já ter o da ampliação do aeroporto Humberto Delgado.

Podia, mas ainda não tem. O memorando que assinámos antecipou em cinco anos a solução que estava prevista.

No novo quadro de fundos comunitários, podemos voltar a ouvir falar de um novo aeroporto, de raiz, para Lisboa?

Esta solução [Montijo] não é de recurso. De acordo com a informação que temos permite mais do que duplicar a capacidade da região de Lisboa. Concerteza que, se a solução vier a ser implementada como espero, se a procura aeroportuária continuar a disparar de forma inusitada... uma das vantagens desta solução é que não elimina a possibilidade de se construir um novo aeroporto de Lisboa, nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete. Essa hipótese fica lá, se quiser, reservada.

Portanto, no pós-2020 não será necessário alocar fundos comunitários a um novo aeroporto?

Não tenho essa expectativa. E os investimentos de concretização de um novo aeroporto estão no âmbito da concessão e do modelo de negócio aeroportuário.