Cumprir metas muda tudo
17-06-2017 - 12:28

O Governo deu prioridade ao défice, mas, por falta de reformas, abala a coesão social.

O Governo deu prioridade ao défice, mas, por falta de reformas, abala a coesão social.

Portugal saiu formalmente do procedimento por défice excessivo imposto pela UE. A decisão dos ministros das Finanças da União (Ecofin) era esperada, pois a Comissão Europeia tinha proposto tal saída por unanimidade. Mas é mais um ponto positivo para a imagem do país nos mercados financeiros.

Podemos não gostar desses mercados, que aliás nem sempre agem racionalmente. Mas precisamos e precisaremos deles ainda durante largos anos, dada a nossa grande dívida pública, cujo serviço (pagamento de juros e amortizações) absorverá muito dinheiro do Estado ao longo das próximas décadas.

Na quarta-feira passada Portugal foi aos mercados para vender dívida pública a 5 e 10 anos. Pagou um juro de apenas 2,7% a dez anos, o que não acontecia desde Agosto de 2016. Nas vésperas do pedido de resgate, em Abril de 2011, esse juro era de 7,5%, algo incomportável – daí o resgate, a “troika”, etc. Até ao fim do corrente mês o Governo vai antecipar o pagamento de mil milhões de euros ao FMI, um dos três membros da “troika”, que cobra juros elevados. Ou seja, a dívida pública portuguesa vai finalmente baixar um pouco, assim como o dinheiro dos contribuintes destinado a pagar juros.

A boa imagem externa de Portugal teve a sua manifestação mais expressiva no repetido elogio do ministro das Finanças alemão, W. Shauble, ao ministro Mário Centeno, a quem chama “Ronaldo”. Schauble apontou mesmo o resgate a Portugal como um caso de sucesso.

O alerta da Comissão

O próprio Centeno explicou o segredo do sucesso: cumprir metas muda tudo, até a opinião de Schauble. De facto, o Governo de A. Costa conseguiu cumprir as exigentes metas europeias e ter um maior crescimento da economia. O chamado indicador coincidente do Banco de Portugal, que prevê a tendência futura da actividade económica, foi divulgado na sexta-feira e mantém a tendência ascendente observada desde o quarto trimestre de 2016.

Quando iniciou funções, o Governo do PS, apoiado no Parlamento por dois partidos anti-europeus e anti-capitalistas, o BE e o PCP, levantaram-se dúvidas sobre a sua capacidade para cumprir as tais metas exigentes da UE, que aliás não acabam com a saída do procedimento por défice excessivo. Durante os primeiros meses da governação socialista as dúvidas mantiveram-se, dada a rápida sucessão de reversões de cortes em salários e pensões decididos pelo anterior governo.

A Comissão Europeia lançou, então, um sério aviso a Portugal. Considerou que em 2015 (ano de eleições…) não haviam sido tomadas acções eficazes para corrigir o défice orçamental excessivo. E, se não fossem concretizadas essas “acções eficazes”, o país arriscava-se a sofrer sanções.

Prioridade ao défice

Não é absurdo situar aí a viragem na política governamental, passando a dar prioridade ao cumprimento das metas de Bruxelas. Foi por isso que em 2016 se registou um excepcionalmente baixo investimento público e surgiram drásticas cativações na despesa corrente do Estado, causando sérios problemas nos serviços públicos.

Ora os cortes na despesa pública corrente continuam. O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, escreveu no jornal “Público” do passado dia 14 um artigo criticando violentamente uma recente lei do Governo que obriga os hospitais e centros de saúde a cortar pelo menos 35% na contratação externa de médicos e enfermeiros. O bastonário considera tal decisão uma vergonha nacional.

Diz Miguel Guimarães que “faltam milhares de médicos, enfermeiros e outros profissionais no Serviço Nacional de Saúde”.

Não creio que seja por espírito corporativo que o bastonário da Ordem dos Médicos é tão crítico. Por outro lado, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, é médico, doutorado em Administração de Saúde e parece uma pessoa ponderada. Conviria que publicamente fosse esclarecida esta situação. Entraves ao normal funcionamento do Serviço Nacional prejudicarão, claro, os mais pobres, que não têm meios para recorrer à medicina privada.

Tudo seria diferente se, em vez de cortes cegos na despesa, tão criticados pelo PS quando era oposição, se dessem passos no sentido da reforma do Estado. Sem essa reforma, ainda que gradual, não é possível cortar racionalmente na despesa do Estado nem cumprir as metas de Bruxelas sem ferir a coesão social da sociedade portuguesa.