​Guarda. Alunos dos PALOP sem dinheiro para comer
11-01-2017 - 19:14
 • Liliana Carona com Pedro Mesquita

Cáritas critica “ilusão” alimentada pelo Instituto Politécnico da Guarda, que rejeita críticas e responsabiliza sistema de bolsas.


Quase todos os 187 alunos africanos do Instituto Politécnico da Guarda (IPG) vivem situações de carência, denuncia a associação de estudantes que os representa. A Cáritas local acusa o IPG de prometer uma “ilusão” ao captar estes estudantes, mas a instituição de ensino pública rejeita as críticas.

A Cáritas da Guarda presta ajuda a 20 alunos oriundos de países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e apoiou, nos últimos cinco anos, duas centenas de estudantes.

Isabel Rabaça, mediadora cultural desta instituição da Igreja, afirma que o IPG transmite "uma ilusão” aos estudantes. "O IPG, devido à falta de alunos portugueses, vai fazer apelo aos alunos estrangeiros, faz parcerias com os municípios e vem com promessas de alojamento e de uma propina mais reduzida", denuncia à Renascença.

"Dão-lhes uma ideia da despesa mensal que não corresponde à realidade. As casas são mais caras, as residências não têm capacidade para albergar toda a gente, não há cantina a 'custo zero'. Eles não são esclarecidos da realidade portuguesa", critica.

“Diz-se que aqui o custo de vida é mais barato, mas não é”, reforça o presidente da Cáritas da Guarda. Os alunos "não são elucidados sobre o que vão encontrar", denuncia.

“Verificando que havia fome, a Isabel Rabaça preocupa-se de tal maneira que passa na casa deles todas as noites para ver se jantaram”, revela.

IPG “não engana ninguém”

O presidente do IPG, Constantino Rei, rejeita as críticas. Diz que na origem do problema estão casos em que as bolsas não se concretizam ou que, no caso de bolsas destinadas ao ensino secundário profissional, subsidiadas por fundos comunitários, não se prolongam no superior.

Constantino Rei garante que a instituição "não engana ninguém quando faz a sua divulgação" e capta alunos.

"Conhecemos os estudantes que temos e sabemos, naturalmente, das situações de dificuldade. E sabemos também que se trata de um problema generalizado, não apenas da Guarda", diz.

Há mais politécnicos no país com situações idênticas, afirma também Isabel Rabaça. “Do que eu tenho conhecimento, Bragança, Viseu e Guarda registam estas situações de carência dos alunos PALOP."

“Alguns nem para comer têm”

O bispo da Guarda, D. Manuel Felício, lamenta que se mantenham os casos de pobreza envolvendo os estudantes dos PALOP.

“Já no ano passado houve vários casos e este ano cresceram. Era necessário haver informação mais completa na origem. Alguns nem para comer têm. Procuramos dar-lhes alojamento e alimentação, para não desanimarem, porque um estudante que não se alimenta não pode estudar”, alerta bispo.

Não é só na alimentação e na roupa que estes alunos são apoiados. O tesoureiro da Cáritas da Guarda, Raul Ribeiro, reparou noutras carências.

“Contaram que não tinham gás para cozinhar, que estavam sem comer uma refeição quente há já vários dias, que dormiam com a roupa do corpo. É uma consequência da campanha que fazem lá fora, sem os informarem da verdadeira realidade que vão encontrar”, lamenta. A Cáritas ajuda em tudo: no “pagamento das propinas, alojamento, água e luz e até para tirar os diplomas no final”.

Maria Andrade, cabo-verdiana de 27 anos, está há cinco anos na Guarda e há cinco anos que recorre à ajuda da Cáritas. “Preciso sempre da ajuda da Cáritas – bens alimentares e vestuário, as necessidades básicas. Não fazia ideia de como era Portugal, nunca imaginei que fosse assim”, assume a aluna do mestrado em Gestão e Administração Pública, que preside à Associação de Estudantes dos PALOP da Guarda.

O presidente do IPG reconhece a importância da ajuda da Cáritas aos alunos necessitados, mas sublinha que o politécnico não abandona ninguém. "Temos um aluno de Moçambique que veio com uma bolsa de uma câmara e essa bolsa nunca foi transferida. Passou o ano lectivo sem pagar uma refeição nem um mês de renda e continua aqui, a estudar, connosco", exemplifica.