Privacidade e proteção de dados
29-03-2018 - 06:32

A Comissão Nacional de Proteção de Dados não foi ouvida na elaboração de alterações ao Regulamento de Proteção de Dados. É estranho e exige explicações.

O escândalo da utilização de dados do Facebook para efeitos de manipulação política relançou o debate sobre a privacidade. Curiosamente, por motivos opostos. Porque nas redes sociais muitas pessoas expõem, sem justificação, a sua própria privacidade. E porque os dados que, sem os utilizadores disso se darem conta, o Facebook, a Google, etc. retiram automaticamente de cada visita, são frequentemente vendidos a empresas, permitindo um marketing personalizado; e também a pessoas envolvidas em propaganda política, que por vezes recorrem a textos falsos e manipulados.

Há uma semana o Conselho de Ministros aprovou um novo Regulamento Geral de Proteção de Dados. Ora, no programa “Em nome da Lei”, moderado pela jornalista Marina Pimentel e transmitido no passado sábado pela Renascença, levantaram-se algumas dúvidas que deveria ser esclarecidas pelo Governo. A Comissão Nacional de Proteção de Dados não foi consultada para esta nova formulação do Regulamento, nem sequer foi informada das alterações legislativas introduzidas. No entanto, foram consultadas inúmeras entidades, o que é estranho. Será que o Governo não confia nesta Comissão? A sua presidente, Filipa Calvão, eleita pela Assembleia da República em 2012 e recentemente reconduzida, considerou que esta ausência de consulta do Governo representa “uma violação da lei” e foi “evidentemente intencional”. A doutora F. Calvão é professora de Direito na Universidade Católica do Porto. Mas, se não é ilegal, a ausência de consulta à Comissão oficialmente perita no assunto em causa significa, no mínimo, uma falta de confiança dos governantes naquela Comissão, o que é preocupante e exige explicações.

A outra dúvida é o facto de, no novo Regulamento, o sector público ficar isento de quaisquer sanções, ao contrário do sector empresarial privado e das entidades privadas sem fins lucrativos. A Prof.ª Filipa Calvão considerou esta exclusão “incompreensível à luz do princípio da igualdade estabelecido pela legislação portuguesa há mais de vinte anos”. No referido programa, esta opinião teve a concordância de dois advogados especialistas na matéria, Ricardo Henriques (Abreu Advogados) e Daniel Reis (PLMJ). Este último comentou, mesmo, que, ao excluir o sector público das sanções (frequentemente pesadas), o Estado estaria a transmitir “uma mensagem errada aos cidadãos”.

Nada disto é normal num país civilizado. Depois queixam-se de que os cidadãos não confiam nos políticos.