Como encontrar a misericórdia depois do terror islamita?
24-03-2017 - 06:30

É cada vez mais complicado chegar à compreensão, é cada vez mais trabalhoso aplicar a lente da misericórdia às pessoas que nos matam como animais num matadouro municipal

Esta crónica é uma confissão. Passados 16 anos sobre o 11 de Setembro, é cada vez mais difícil conter a raiva que sinto contra este islamismo wahhabita nascido e criado na Europa; é cada vez mais difícil filtrar este ódio através das nossas ideias de tolerância e estado-de-direito, é cada vez mais complicado chegar à compreensão, é cada vez mais trabalhoso aplicar a lente da misericórdia às pessoas que nos matam como animais num matadouro municipal. É cada vez mais difícil, mas até agora tenho conseguido manter esse equilíbrio cristão.

Como? Em primeiro lugar, assumo que a raiva existe. Quem afirmar que não sente um pingo de raiva ou ódio está mentindo, está espalhando pela alma aquela lengalenga facebookiana que diz “não se passa nada”, “não pode haver medo”. Mas é evidente que há medo, é evidente que há desconfiança, é evidente que existe um mal: o radicalismo wahhabita que cresce nas comunidades muçulmanas que se auto-segregaram. Fingir que este mal não existe em nome de uma abstracta “tolerância” não é defender uma ética cosmopolita, é alimentar uma ética cobarde. E diga-se que identificar este mal e reconhecer o medo não é o mesmo que fazer o jogo da Le Pen. Aliás, esta hipocrisia politicamente correcta é que tem permitido o crescimento das Le Pen. É claro que há medo. O que distingue as pessoas é a forma como se lida com esse medo. Le Pen quer potenciá-lo, nós devemos neutralizá-lo.

O caminho da misericórdia prossegue com uma distinção: o islão é grande e plural; se muitos cederam ao radicalismo, a grande maioria dos muçulmanos não é defensora desta violência. Isso é evidente quando lemos romances ou reportagens feitas a partir do ponto de vista dos subúrbios muçulmanos de Paris ou Londres.

Entre muitos outros, “An Unfinished Business,” de Boualem Sansal, é um livro perturbador por duas razões. Em primeiro lugar, este escritor argelino não tem problemas em dizer que o islamismo radical ou jihadista é um fascismo que não tem sido combatido pelo “meio” intelectual e pelo status quo político da Europa; de resto, por uma série de razões que não cabem nesta página, este fascismo wahhabita foi transformado no porta-voz das comunidades muçulmanas da Europa. A tragédia começa aqui. Em segundo lugar, Sansal mostra o desespero do muçulmano “moderado” que está preso entre a determinação dos islamitas que dominam pela força o seu bairro e a forma como os diversos poderes municipais e estatais escolhem esses mesmos islamistas como interlocutores. Note-se que este muçulmano “moderado” compõe a maioria demográfica das comunidades muçulmanas. Problema? É uma maioria silenciosa, invisível, amedrontada. Estas pessoas que querem viver como europeus normais têm medo dos radicais que vivem no 3.º esquerdo lá do prédio, têm medo dos serviços camarários que escolhem falar apenas com os radicais; têm medo em geral, têm medo de se sentarem no banco do metro, pois sabem de antemão que a sua tez já transmite um medo confessado ou inconfessado ao cidadão comum.

O caminho da misericórdia termina portanto nesta ideia de que é urgente deslegitimar os fascistas wahhabitas que falam em nome do islão europeu. Estes fascistas até são muitas vezes financiados por países do Médio Oriente. Portanto, fechar uma mesquita financiada pela Arábia Saudita não é “islamofobia”, é decência, é salvar o dia-a-dia dos muçulmanos e sobretudo das muçulmanas que querem viver como europeias.

Por falar em mulheres, não podemos continuar a permitir a forma degradante como a mulher muçulmana europeia é desrespeitada pela sua própria comunidade. Forçar uma garota a casar com o primo não é “diversidade cultural”, é barbárie. Até se pode dizer que, a partir deste ângulo feminista, temos o dever de abrir estas comunidades muçulmanas, temos o dever de remover o mal fascista ou wahhabita, temos o dever de destacar e proteger as muçulmanas que sonham com uma vida banalíssima e europeíssima. Se não fizermos isto, se continuarmos a olhar para o lado, chegará o momento em que perderemos o rasto da misericórdia.