Quando Schauble junta "Portugal" e "resgate" na mesma frase...
19-03-2017 - 15:39
 • José Bastos

“É inaceitável, injusto e prejudica”, diz Carvalho da Silva. “As declarações de Schauble são para consumo doméstico”, defende Álvaro Almeida. “O que verdadeiramente conta é a realidade”, nota Luís Aguiar-Conraria.

Não é o primeiro alerta, mas de cada vez que Wolfgang Schauble junta ‘Portugal’ e ‘resgate’ na mesma frase o efeito é previsível. Equivale à ignição de um rastilho que detona críticas politicamente intensas. A 15 de Março o ministro das Finanças alemão voltou ao tema, sugerindo que “Portugal se deve certificar de que não precisa de novo programa de ajuda externa”. Da substância da frase à oportunidade da intervenção multiplicam-se as reacções.

Porque disse Schauble o que disse? Álvaro Santos Almeida situa a afirmação no contexto político doméstico com eleições gerais previstas para Setembro.

“O sr. Schauble gosta muito de fazer estas afirmações, mas, como já aqui referi, temos de as ler como sendo para consumo interno alemão”, diz o economista no “Conversas Cruzadas”.

“Não esqueçamos que tal como os nossos políticos também os políticos alemães têm eleições e, neste caso, têm eleições este ano e têm de se dirigir aos seus eleitorados. É só neste sentido que se percebe esta afirmação. É uma tentativa de responder às preocupações dos eleitores alemães, pelo menos aquele franja do eleitorado que agora apoia o AfD, o partido anti-euro que vê nos programas de apoio a países como Portugal e a Grécia algo que representa um ónus para os alemães. Pelo menos é essa a sua visão. Não quer dizer que tenha razão”, afirma Álvaro Santos Almeida.

“O que aqui me preocupa não é o que o sr.Schauble diz ou não diz, mas sim as condições concretas e objectivas da economia portuguesa e como esse quadro é visto por quem tem de nos financiar. E, de facto, desse ponto de vista as afirmações do sr. Schauble surgem numa altura e, provavelmente, não por coincidência em que temos razões para preocupação, porque as taxas de juro voltaram a subir. Existem motivos de preocupação apesar de uma tentativa do ministro das Finanças Mário Centeno de tranquilizar os investidores internacionais com uma entrevista ao Financial Times. Uma tentativa que não terá sido bem sucedida, porque os investidores internacionais continuam a não confiar neste governo e a considerar que não há consistência nas políticas económicas em Portugal”, prossegue o antigo quadro superior do FMI em Washington.

Álvaro Santos Almeida: “Não é Schauble que toma as decisões relevantes da economia portuguesa”

“Independentemente dos sucessos quanto ao défice - e já aqui disse que é muito melhor ter sido 2,1 do que 3%, isso não está em causa - mas pela forma como foi alcançado não dá tranquilidade aos investidores. Até porque na própria entrevista ao Financial Times, se lermos com atenção o jornalista que a assina escreve exactamente isso: os investidores têm muitas dúvidas nomeadamente quanto à sustentabilidade do défice. Portanto, mais que as declarações do sr. Schauble, isso é o que verdadeiramente importa”, nota Álvaro Santos Almeida, professor de economia na Universidade do Porto.

“Ponto um: os mercados têm toda a informação. Ponto dois: não é o sr. Schauble que toma decisões relevantes para a economia portuguesa. Quem toma essas decisões relevantes é o Banco Central Europeu que é uma instituição independente. Portanto, o sr. Schauble não tem influência directa no BCE, o que ele diz é irrelevante para o banco central europeu, o elemento central para o financiamento da economia portuguesa. Depois há a questão da Comissão Europeia permitir a saída, ou não, do procedimento por défice excessivo, ponto onde o sr. Schauble pode ter uma maior influência, mas, mesmo assim, não é o dono da resposta definitiva. A sua afirmação de quarta-feira terá um impacto muito relativo nessa decisão como, de resto, tiveram todas as afirmações dele no passado”, observa Álvaro Santos Almeida.

Luís Aguiar Conraria: “O que conta é o julgamento feito com base na realidade”

Luís Aguiar-Conraria não se distancia da explicação de que são motivações eleitorais internas a comprometer a contenção verbal do polémico ministro alemão das finanças. “Na análise das variáveis políticas também vale a pena acrescentar que, pela primeira vez desde algumas eleições, há a possibilidade real da CDU da sra. Merkel perder as eleições alemãs de Setembro.

Estas declarações de Schauble aparecem quando, de facto, o SPD alemão tem possibilidades de ganhar. Só consigo ver estas declarações à luz de uma tentativa de mobilização interna no cenário político alemão”, diz o professor de economia da Universidade do Minho.

“Quanto à avaliação feita pelos mercados financeiros acho, sinceramente, que muito mais importante que as declarações de Schauble ou a entrevista de Mário Centeno ao FT é o julgamento feito com base na realidade. Os mercados sabem muito bem qual é a realidade. Sabem que Portugal está, mais ou menos, estagnado. Sabem que o défice é baixo e é mais baixo do que realmente seria se não fosse induzido de forma relativamente artificial. Pelo menos entre 0,5% a 1% está artificialmente baixo. Os mercados sabem isso”, sustenta Luís Aguiar-Conraria.

“Percebo todas as insistências, mas não consigo mudar de opinião: trata-se de um político que está em campanha eleitoral, quer ganhar as eleições e fala para o seu eleitorado. É um político muito preocupado em não deixar escapar eleitorado para a direita, porque pode perder as eleições para a esquerda por essa razão”, afirma Luís Aguiar-Conraria.

Já Manuel Carvalho da Silva diz “não aceitar” as declarações de Schauble”.

“Os meus companheiros de debate que me perdoem, mas acho que colocam - em particular Álvaro Santos Almeida - a abordagem deste tema num quadro de excessiva condescendência face á gravidade da intervenção do sr. Schauble”, afirma o sociólogo, professor da Universidade de Coimbra. “Resumo o comentário ao seguinte: primeiro, os indicadores económicos do nosso país são, neste momento, muito mais positivos que negativos. Chega de chamar diabos para dentro do país. É evidente que a economia não está a crescer ao nível necessário, mas também há que arrastar para a discussão as questões limitadoras desse crescimento”, faz notar.

Manuel Carvalho da Silva: “Não é admissível culpar Portugal pelos males da Alemanha”

“O que está também claro é que não é sustentável termos o custo da dívida que temos - enquanto a restruturação da dívida não se impor - e que para termos mais possibilidades de crescimento económico (e há outras vias a considerar nas políticas sociais para além da mera questão do crescimento - uma necessidade, mas não a única) a dívida terá de estar no centro de todo o processo. Está no centro do debate e esta discussão á volta da dívida vai ter de ter lugar. A dívida e os impactos associados às limitações que a dívida provoca em parte também situados nas imposições do sr. Schauble, e outros dirigentes alemães, nos últimos anos. O segundo aspecto é o poder do sr. Schauble, a Alemanha tem poder, o sr. Schauble não é ministro de um país qualquer e o seu pronunciamento prejudica Portugal no plano internacional além de, na prática, ser completamente injusto”, diz Manuel Carvalho da Silva.

“Há elementos de dignidade nacional envolvidos. Como português não aceito estas declarações. Como o sr. Schauble não aceitaria que aparecesse um português a fazer as declarações, recomendações e pronunciamentos em relação à Alemanha do mesmo tipo que ele faz contra Portugal. Isso é pura e simplesmente inadmissível. As regras no relacionamento têm de ser respeitadas independentemente das dimensões dos países. Dentro da União Europeia a Alemanha tem tido uma atitude e um posicionamento questionado por muitos. Há milhões e milhões de europeus a considerar essa atitude como um dos maiores obstáculos ao projecto europeu. Muito terá de se alterar nessa atitude. Não se trata de colocar portugueses contra alemães, ou franceses contra alemães ou portugueses contra franceses. Trata-se apenas de se ter atitudes mais responsáveis”, nota o sociólogo.

“E permitam-me concluir com o seguinte: não é admissível culpar Portugal pelos males da Alemanha - que tanto temia a moeda única e defende uma política no euro que apenas a beneficia em grande parte. Isto não é aceitável. E talvez tenhamos de contrapor que Portugal, com as soluções que tem adoptado, talvez esteja a dar uma lição que, noutro contexto, devia fazer o sr. Schauble corar de vergonha. Tanto mais que as respostas positivas que têm vindo da União Europeia não têm origem - como Álvaro Santos Almeida referiu - na orientação do sr. Schauble mas nas medidas adoptadas pelo BCE. Schauble não tem o direito de entrar nisto”, critica Carvalho da Silva.

Neste ponto do debate, Álvaro Santos Almeida interpela Carvalho da Silva. “Mas se Schauble tiver razão - e tem razão, se facto a nossa dívida não for pagável - tem todo o direito de fazer estas declarações. Porque se houver um novo resgate será a Alemanha também a participar. Portanto tem o direito de se pronunciar sobre isso. A terminar, Luís Aguiar-Conraria assina a sua própria síntese “Estamos todos de acordo no sentido de que não gostamos que Schauble faça as declarações que faz e preferimos que esteja calado. Onde estamos em desacordo é se o que Schauble diz é, ou não, correcto”.