Um cristão não pode dizer “sou contra homossexuais”
21-07-2017 - 06:58

Por muito que custe ao Dr. Gentil Martins e a tantos outros, os homossexuais são amados por Deus.

As palavras de Gentil Martins têm sido analisadas pelo ângulo da medicina e da ciência. Preocupo-me mais com o ângulo do cristão. Gentil Martins falou como médico mas sobretudo como cristão. E o que me interessa naquela entrevista não é a ideia da homossexualidade enquanto “anomalia”. Como bem recordou um jornalista desta casa, Filipe d’Avillez, a declaração realmente grave de Gentil Martins é outra: “sou completamente contra homossexuais”.

Um cristão pode e deve ter dúvidas sobre a natureza da homossexualidade. Um cristão pode questionar o consenso científico sobre o tema – todos as teorias científicas são apenas isso, teorias que podem e devem ser questionadas; um consenso científico de uma dada época não é o fim da história.

Um cristão pode e deve lutar contra a crescente ditadura do politicamente correcto fracturante, que é intolerante e que, acima de tudo, parece sempre disponível para humilhar a religião, o cristianismo, a igreja. Basta recordar o imbecil cartaz do BE do ano passado. Dizem-me que os homossexuais ou os autoproclamados donos da homossexualidade estão indignados com Gentil Martins. Percebo a indignação. Mas então porque é estes homossexuais não dizem nada quando ouvem dizer – todos os dias – que a fé cristã é uma anomalia, um distúrbio de mentes infantis, um abuso infantil que os pais lançam sobre os filhos, uma crença primitiva?

Um cristão, contudo, não pode confundir o combate ao politicamente correcto com o regresso à ignorância e ao ódio do passado. Combater o politicamente correcto não pode significar voltar a dizer barbaridades sobre negros, mulheres ou gays, como se a luta contra esta intolerância intelectual da pós-modernidade fosse, na verdade, uma máquina do tempo destinada a teletransportar a sociedade para um passado pré-moderno. Gentil Martins tem o direito de não concordar com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tem o direito de pensar que a adopção de crianças por gays é um erro, tem até o direito de não aceitar o actual consenso psiquiátrico sobre a homossexualidade, mas, como cristão, não tem o direito de pensar ou dizer que “é contra homossexuais”. Não consigo pensar em nada mais anti-cristão do que ser contra um grupo de pessoas.

No máximo, um cristão pode dizer que é contra a prática sexual homossexual. Não pode é nunca dizer que é “contra homossexuais”. Mesmo que a homossexualidade fosse uma “anomalia” inaceitável, o dever do cristão seria sempre o de amar e perdoar essa “anomalia”. Já ouviram falar em perdão e misericórdia?

Indiquem-me, por favor, uma passagem do Novo Testamento em que o Senhor indique que odiar sodomitas é um dever cristão. Não encontram, pois não? Indiquem-me por favor uma passagem em que o Senhor indique que a criação de barreiras entre grupos de seres humanos é um dever cristão. Não encontram, pois não? No máximo, encontram a ideia de que o casamento é entre um homem e uma mulher. Nunca encontrarão nada sobre a exclusão de homossexuais e de prostitutas. Sim, no Levítico e no Deuteronómio, diz-se que é preciso punir prostitutas e sodomitas. Mas convém recordar que Jesus Cristo está depois do Antigo Testamento e que, na sua passagem pela terra, deu sempre lugar de destaque às prostitutas, sobretudo a Maria Madalena. E, já agora, não será Mateus 19:12 uma aceitação da naturalidade da homossexualidade? “Alguns eunucos são assim porque nasceram assim”.

O ódio é o caminho mais fácil, porque cria uma retaguarda de segurança, o “nosso campo” contra o “campo dos outros”. E tem sido triste verificar que muitos cristãos estão a procurar cada vez mais esse refúgio no ódio, na barricada, na guerra cultural contra tudo o que é remotamente gay. É um erro táctico e, acima de tudo, uma violação da moral cristã.

Gostava de relembrar que os homossexuais não são todos iguais – não se confunda o mediatismo do “activista LGBT” com a complexidade dos homossexuais, muitos deles cristãos. Gostava ainda de relembrar que a sexualidade não é a única identidade de uma pessoa.

Para terminar, gostava de relembrar que o homossexual é uma pessoa criada por Deus, sagrada como todas as outras. Por muito que isso custe ao Dr. Gentil Martins e a tantos outros, os homossexuais são amados por Deus. Sei qual é - nesta fase - a contra-argumentação de muitos cristãos: mas, ó Henrique, “eles” (os do politicamente correcto fracturante) são intolerantes, não nos respeitam, etc. A minha resposta é muito simples: “eles” têm algumas décadas de vida, nós temos quase 4.000 anos de Revelação. Quando “eles” desaparecerem na roda da história, à semelhança de outras tribos ideológicas dos últimos 4.000 anos, nós continuaremos por cá. Tenham um pouco mais de mais confiança, encaixem o desdém, sigam em frente. “Dar a outra face” não é uma metáfora, é uma ordem.