Repensar o serviço militar
08-07-2017 - 09:47

O abandono do serviço militar obrigatório deveria ser debatido na sociedade portuguesa. Vários países estão a regressar a esse serviço.

Os militares portugueses passam agora por uma fase difícil. Foram constituídos arguidos, por alegada corrupção, vários oficiais da Força Aérea; e, sobretudo, houve o preocupante roubo de armas e munições em Tancos.

Há 43 anos, foram os militares que trouxeram a democracia a Portugal, embora as motivações iniciais do 25 de Abril fossem profissionais (o poder político não conseguia resolver as guerras coloniais, que as Forças Armadas não podiam vencer, apenas conter).

Depois de 1975, os militares souberam retirar-se da área política, onde, aliás, nessa altura como depois do 28 de Maio de 1926, não mostraram grande capacidade.

Recorde-se que desde 1820 até 1974 os militares participaram em praticamente todas as inúmeras revoluções, revoltas, intentonas, etc. no nosso país. A ameaça de golpe militar, que pairou sobre Portugal quase durante dois séculos, desapareceu do horizonte depois da institucionalização da democracia, em 1976, e principalmente dez anos depois, com a adesão do país à então CEE, hoje UE.

Pedagogia sobre os militares

Com esta normalização democrática os militares saíram da cena política. Mas os políticos têm feito escassa pedagogia sobre a importância das Forças Armadas para a vida nacional. Há quem não perceba para o que elas servem.

Os militares perderam, assim, peso social e orçamental. Daí que as missões de paz no estrangeiro – onde os militares portugueses têm uma alta cotação – impliquem, por vezes, aflitivas buscas de material e equipamento.

Convém lembrar que o Exército português estava preparado para combater guerrilheiros em África, tendo, depois da descolonização, que fazer uma complexa transição para umas Forças Armadas de outro tipo, mais moderno. Essa transição, iniciada pelo General Eanes, não foi fácil e ainda explica algum excesso de chefias militares.

A grande mudança foi o fim do serviço militar obrigatório (SMO), em 2004. Seguindo o exemplo de muitos outros países, Portugal passou a ter umas Forças Armadas largamente constituídas por voluntários contratados. Essa mudança não foi e não é consensual. Mas já não se fala dela.

Naturalmente que o fim do SMO agradou aos jovens, até porque no tempo da guerra colonial houve milicianos que estiveram dois, quatro ou mesmo seis anos na tropa. Mas essa guerra já não existe. As dificuldades actuais no recrutamento de voluntários deveriam levar a ser reconsiderada a opção por Forças Armadas profissionais, ainda que apenas parcialmente.

E não só por causa daquelas dificuldades. O SMO, para homens e mulheres, daria aos que o frequentem uma noção prática de cidadania. E uma ligação afectiva à pátria mais sólida do que a prevalecente num exército de mercenários. Recorde-se que o cidadão-soldado foi trazido pela Revolução Francesa – é um elemento da democracia.

Países regressam ao SMO

Acontece que vários países, que não são propriamente atrasados política e civicamente, estão a regressar ao SMO. É o caso, por exemplo, da Suécia, onde aquele serviço volta no próximo dia 1 de Julho a ser obrigatório, para rapazes e raparigas. Não é ali eliminado o sistema profissional, mas é complementado pelo obrigatório – a Suécia, tal como Portugal, sente crescentes dificuldades em contratar soldados profissionais.

Ao contrário de Portugal, a Suécia não integra a NATO. Mas a Noruega é membro da NATO e em 2015 estendeu o serviço militar obrigatório aos dois sexos; trata-se de um sistema selectivo: apenas são convocados os mais aptos, física e psicologicamente, geralmente cerca de um sexto do total dos jovens.

O SMO não chegou a ser abandonado na Dinamarca, Finlândia, Estónia, Lituânia, Áustria, Suíça, Grécia, etc. E a Alemanha encarou recentemente medidas para restaurar o SMO em caso de emergência.

Poderá não ser do agrado das juventudes partidárias, mas faria todo o sentido debater hoje, em Portugal, este problema. Com o objectivo de elevar o sentido de missão de quem tem o monopólio da violência legítima.