​O sismo Trump foi sentido em Lisboa. "Gostava de poder dizer à minha filha que estas coisas não acontecem"
09-11-2016 - 11:38
 • Teresa Abecasis

Deste lado do Atlântico, a reacção dominante ouvida pela Renascença nas ruas da capital é: surpresa, desilusão, medo. "Estamos lixados."



Miguel Martins e José Messias, ambos na casa dos 20 anos, tomam o pequeno-almoço numa esplanada junto ao Campus de Justiça, no Parque das Nações, Lisboa. Ficaram acordados a noite toda e estão a precisar de café.

"Estamos lixados", diz Miguel. Tem dificuldade em encontrar outras palavras para descrever a surpresa com que foi acompanhando os resultados das eleições norte-americanas. Seguiu tudo em directo no Reddit, uma das maiores comunidades “online”. Tenta outra vez: "Estou desiludido por uma superpotência estar nas mãos de uma pessoa que parece tão incompetente".

"É esperar pelo pior", ajuda José. Miguel tenta encontrar uma explicação: "Se calhar, estamos num tempo de alterações sociais, as pessoas estão fartas e querem mudar, mas nem sempre escolher o melhor.”

Teresa Serra, oficial de Justiça, 49 anos, está a caminho do trabalho e ainda não sabe de nada. Damos-lhe a notícia. Não acredita. "[Trump] É uma aberração, estou estupefacta, sinto medo".

A surpresa é geral, mas tem sabor requentado para Frederico Tavares. "É horrível, estou escandalizado, tal como com o [resultado do] Brexit", confessa o técnico de pós-produção de áudio de 29 anos. Trabalha na zona do Parque das Nações e toma o pequeno-almoço sozinho numa esplanada. "Acho que a Hillary era uma candidata decente, no mínimo. Este é deplorável, para utilizar a expressão da Hillary.”

"Preocupa-me bastante”, admite Frederico. “Tenho uma filha pequena. Este tipo de resultados é daquelas coisas que gostava de dizer que não acontecem". Lamenta o tipo de discurso utilizado pele recém-eleito Presidente norte-americano, mas conclui: "Pelos vistos, este tipo de discurso ganha eleições".

Primeiro estranha-se

Numa mesa próxima, Mafalda Maldonado e Paulo Gonçalves partilham o sentimento de surpresa, tal como quase todas as pessoas entrevistadas pela Renascença. "Estava convencida de que ganhava a Hillary. As ideias dele são estranhas, mas pode ter sido só estratégia para a campanha", diz a gestora de contas.

Paulo utiliza a mesma palavra: também "estranha" o resultado das eleições. Mas tentam não dramatizar. "O discurso [de vitória] dele foi conciliador", diz Paulo. "Eu acho que o mundo está a mudar, para o bem ou para o mal, não sei", completa Mafalda.

Rui Gouveia e Isabel Gonçalves, engenheiros informáticos, também procuram explicações para o resultado. "Não estávamos nada à espera. O discurso foi mais suave. Pode ser que não seja assim tão mau como toda a gente estava à espera", analisa Rui.

"Acima de tudo, espero que os políticos percebam que a forma como sempre fizeram política leva a uma descrença enorme", remata.

Isabel diz que as pessoas perderam o interesse pela política e arrisca: "As pessoas não têm consciência das pessoas em quem estão a votar".

Rui enumera um rol de preocupações. Assusta-o "sobretudo o impacto que as decisões de Trump podem ter no resto do mundo. Ele tem uma capacidade nula para as relações externas. Tem especial apetência para as armas nucleares. É conflituoso".

A morte das previsões

Ângela Reis, QA tester (trabalho que consiste em testes de qualidade a software), 32 anos, foi a única pessoa encontrada pela Renascença neste percurso por ruas de Lisboa que não ficou surpreendida com o resultado das eleições.

Apanhada a caminho do trabalho, explica que, tal como os outros, sente-se "desiludida". "Mas não posso dizer que foi uma surpresa. Tenho andado a ler e havia muita gente a apoiar Trump, mesmo aqueles que não pareciam, como os imigrantes".

Mesmo assim, não percebe o que poderá ter atraído os americanos no discurso de Trump. "Não sei porque votam nele. Não sei mesmo”, diz. Mas depois concede: “Ele é um bom comunicador, sabe atrair as pessoas.”

Rui Pacheco, técnico de vendas, resume o que muitas pessoas pensaram esta manhã quando viram os resultados: "É uma desgraça, os americanos passaram-se".

"Eu não queria viver nos Estados Unidos", continua. Sobre o futuro, já ninguém arrisca voltar a fazer previsões. Rui lembra o resultado do Brexit no referendo britânico e remata: "isto está a dar muitas voltas, não sei. Não faço previsões".