Brasil - quem "segura esse rojão"?
09-04-2018 - 14:10

A esse propósito, escreveu há dias o antropólogo social argentino, Alejandro Grimson: “De todas as possibilidades que o Brasil tinha nessa altura só uma era absurda - o início da auto-destruição do país”.

A prisão efetiva de Lula da Silva, com a execução de uma pena antes mesmo de esgotado o direito ao recurso, é o exemplo acabado de uma deriva à qual o Brasil se entregou sem tino depois de a maioria da população ter percebido que o seu sistema político está, no essencial, podre. É uma deriva que terá começado há uns anos atrás, quando a reeleição de Dilma Roussef expôs fraturas políticas e sociais e agitou rancores antigos que muitos julgariam extintos.

A esse propósito, escreveu há dias o antropólogo social argentino, Alejandro Grimson: “De todas as possibilidades que o Brasil tinha nessa altura só uma era absurda - o início da auto-destruição do país”. Mas foi essa a escolhida por uma classe política cheia de medo de perder privilégios e benesses, entalada por escândalos de corrupção e, sobretudo, incomodada com as políticas de ‘elevador social’ que transformaram a vida de milhões de brasileiros pobres e permitiram - para usar uma imagem simplista - ‘ver a filha da empregada doméstica na universidade’. Descredibilizada e fragilizada a estrutura de governo encolheu-se numa concha (fina, muito fina) e deixou o campo aberto a outros poderes, como o militar e o judicial.

A gradual militarização de uma cidade tão vital como o Rio de Janeiro é apresentada como uma resposta ao aumento da violência, mas é, sobretudo, o retomar de uma ideia velha de organização social mantida pela força; os pobres, de novo, ‘lá onde devem estar’, cercados de viaturas militares, cobertos pela suspeita de criminalidade e, tanto quanto possível, impedidos de mudar de vida.

A politização da Justiça , apresentada como um sinal de ‘limpeza’, é o exemplo do pior que pode acontecer quando um sistema arcaico entra em roda livre. Num enquadramento em que o mesmo juiz pode elaborar a acusação e julgar o caso (algo impensável – e bem – por cá) há ainda espaço para a delação premiada e é também permitido a esse mesmo juiz falar e escrever sobre os processos que tem em mãos. Na ausência do poder político, uma figura com uma agenda e com uma extraordinária sede de protagonismo como o juiz Sérgio Moro consegue usar sem controle todas estas ferramentas e consegue num emblemático caso dar-nos uma imagem clara do caminho trágico que o país percorreu num tão breve espaço de tempo.

O Brasil de hoje faz lembrar o operário da música de Chico Buarque: “E tropeçou no céu como se ouvisse música / E flutuou no ar como se fosse sábado / E se acabou no chão feito um pacote tímido / Agonizou no meio do passeio náufrago / Morreu na contramão atrapalhando o público”. E não há, tão cedo pelo menos, beleza poética que o salve.