Como falar do terror às crianças?
26-05-2017 - 06:36

Não sei qual é o caminho correcto, mas vejo pelo menos dois caminhos errados. O primeiro erro é evitar a questão e o segundo é transformar esta realidade dantesca numa peça de ficção.

A partir do momento em que o islamismo ataca crianças num concerto pop, a pergunta deixa de ser teórica e passa a ser uma inevitabilidade: os nossos filhos já colocaram, estão a colocar ou colocar-nos-ão perguntas sobre o terror, que no fundo são questões sobre a natureza do mal. Como responder?

Não sei qual é o caminho correcto, mas vejo pelo menos dois caminhos errados. O primeiro erro é evitar a questão, é fingir que este mal concreto (islamismo radical) não existe no mundo, é transformar esta realidade dantesca numa peça de ficção, é dizer que aquelas reportagens da Sky News não são diferentes de um filme, é fingir que este mal real tem a espessura moral de um vilão Marvel.

O segundo caminho errado passa por dar respostas xaroposas que proclamam a inevitável vitória do bem sobre o mal, como se este radicalismo pudesse ser derrotado apenas com vigílias, cantorias, manifs, hashtags ou posts lacrimejantes. O bem, a luz, a esperança existem de facto, mas existem em acções concretas, em discursos concretos que iluminam com coragem o problema real. A luz não é para apontar ao calhas, é para apontar ao problema. O discurso fofinho e empoleirado nesta bondade abstracta e sempre vitoriosa iliba-nos do confronto pessoal e directo com o mal aqui e agora. Se o bem ganha sempre, então porque é que me vou maçar com acções e palavras concretas? Este caminho não é uma negação com o primeiro, mas é uma fuga.

Estes dois caminhos mantêm o bem e o mal ao nível do conto de fadas, que é um nível com bastante saída hoje em dia, diga-se. É o nível dos pais que recusam levar o filho de 15 anos a um funeral, “porque é muito pesado, coitadinho”; é o nível dos pais que não levam o filho a ver o avô no lar, “porque cheira a doença”; é o nível dos pais que nunca confrontam os filhos com a doença, com a morte e com os seus próprios pecados. E uma criança ou jovem que chega aos 15/20 anos sem nunca ter sido confrontado com o mal do mundo e sobretudo com o mal que carrega dentro de si será inevitavelmente um adulto com a espessura moral de uma personagem de filme de sábado à tarde.

A partir daqui, tenho dúvidas. Como é que se explica o terrorismo suicida a uma criança? Se é difícil conversar com adultos sobre o suicídio, como é que se explica a crianças um suicida que ainda por cima é terrorista? Parece-me impossível.

Assim talvez seja boa ideia começarmos a inevitável conversa pela ideia de Guerra, que é mais digerível do que a ideia de Terrorismo. Se pensarmos no mal como um funil subterrâneo com vários níveis de profundidade e gravidade (Dante), um soldado em guerra com outros soldados é alguém que habita os níveis superficiais desse inferno e até pode aparecer no purgatório; é portanto um início de conversa. Já o terrorista suicida que mata meninas num concerto não tem hipótese, está mesmo no centro profundo e gelado do inferno.

É conversa para outra altura, porque não é possível responder à pergunta que as crianças fazem: “porquê?”. “Porque é que eles fazem aquilo?”. Apesar de ser delicado, é possível explicar-lhes o porquê de uma guerra, até porque há batalhas nas fábulas e filmes infantis. O mesmo não se aplica ao porquê do terrorismo islamita. “Porque é que eles fazem isto?” Porque não gostam de nós. “Mas porque é que não gostam de nós?”, etc.

O terrorismo islamita e suicida representa um vórtice sem fim de porquês que só podem ser respondidos com uma linguagem que uma criança não compreende. Ainda bem.