Se a floresta fosse rentável, haveria menos incêndios?
20-06-2017 - 11:14
 • José Pedro Frazão , Marta Grosso

“É bom não esquecer que 80% da área que arde num ano consome-se em 10/12 dias”, diz o arquitecto paisagista Henrique Pereira dos Santos. Mas “as pessoas não vão gastar dinheiro numa operação que lhes pode custar caro”, diz o investigador Pedro Ochôa de Carvalho.

Todos os anos é a mesma coisa e há anos em que é pior ainda. E, depois da tragédia, vêm as promessas, os planos, os decretos. Nada resulta. Porquê? Os especialistas Henrique Pereira dos Santos e Pedro Ochôa de Carvalho têm algumas respostas.

“A questão central é se o proprietário tira ou não rendimento do seu terreno. Se tira rendimento, vai gerir. Se não, vai abandonar”, afirmou, num debate na tarde da Renascença (com reposição na Edição da Noite), esta segunda-feira, o arquitecto paisagista Henrique Pereira dos Santos.

“Os governos contam muito menos do que aquilo que pensam” e não conseguem fazer nada de “uma economia que não funciona, como é a de grande parte dos espaços florestais”, afirma.

Para os proprietários, “é irrelevante quem dá o parecer para fazer uma florestação – o Estado central ou a autarquia. Ele só faz reflorestação se isso lhe der rendimento”, acrescenta.

Por isso, reforça, “a questão central, antes de todas as outras, é a do rendimento do território. E, de facto, temos uma grande parte do nosso território muito pouco competitivo”, seja no que respeita à floresta clássica, à resinagem ou à pastorícia.

“Uma reforma florestal que nunca, em momento algum, se orienta para a discussão da competitividade do sector” e não resolve “os problemas no mercado” está condenada ao insucesso.

Quem deve fazer a vigilância das florestas?

“O resineiro tem que ir à floresta de três em três semanas para manter o acesso limpo. Mas só pode trabalhar oito meses por ano. É mais inteligente criar uma equipa de sapadores ou um mecanismo de suporte a esta actividade económica, em que o Estado assuma quatro meses de ordenado, mesmo que estejam a fazer trabalho de prevenção e fogo?”, questiona o arquitecto.

Na opinião de Henrique Pereira dos Santos, “os sapadores florestais podem ser muito úteis, mas cada vez que se cria uma equipa de sapadores florestais a única coisa que se discute é quanto custa e quem paga. Ninguém discute qual é o retorno que ela traz. Sem retorno, tarde ou cedo, não vai haver dinheiro para pagar”.

“Uma equipa de sapadores gere, em média, 40 hectares quando precisamos de gerir seis milhões”, adverte ainda.

Mas a prevenção dos incêndios tem também de passar pelas populações, “que têm de estar cientes dos riscos que correm”, refere o investigador do Instituto Superior de Agronomia Pedro Ochôa de Carvalho.

Levanta-se, mais uma vez, a questão do retorno financeiro. “Não basta haver um decreto-lei que diz que têm que limpar 50 metros à volta. As pessoas não vão gastar dinheiro a desempenhar uma operação que lhes pode custar caro”, afirma o especialista do Centro de Estudos Florestais do ISA.

Na opinião de Pedro Ochôa de Carvalho, “não existe um envolvimento conveniente das populações”.

“Existem diversos interesses económicos”, mas não há “uma preocupação constante. Existe um empurrar com a barriga quando se procura atribuir responsabilidades para este ou aquele actor político”, critica.

Basta uma dúzia de dias para perder grande parte da floresta

Para Henrique Pereira dos Santos, existe uma “percepção muito perigosa” entre a população sobre a sua segurança em caso de incêndio.

As pessoas acham “que a coisa se resolve com os meios aéreos ou que, chegando com carros de bombeiros, a casa não arde. Se tal é verdade em mais de 90% dos dias do ano, é bom não esquecer que 80% da área que arde num ano consome-se em 10/12 dias”.

“Nos outros 350 não há problema de maior”, sublinha. Mas “essa falta de sensação de segurança leva as pessoas a descurarem naturalmente algumas das acções que deveriam ter”.

Pereira dos Santos e Ochôa de Carvalho defendem uma estratégia de prevenção que não descure a rentabilidade dos recursos florestais.