Os portugueses estão a morrer mais na estrada. Porquê?
15-07-2017 - 09:00

Advogada especialista em contra-ordenações diz que a Carta por Pontos beneficia o infractor, mas o presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária não relaciona o novo sistema com um aumento da sinistralidade grave. O tema esteve em debate no programa Em Nome da Lei da Renascença.

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O aumento do número de mortos e feridos graves nas estradas portuguesas é um dos temas em debate no programa Em Nome da Lei da Renascença.

O presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), Jorge Jacob, recusa estabelecer uma relação entre a entrada em vigor da Carta por Pontos, a 1 de Junho de 2016, e o aumento da sinistralidade rodoviária.

Nos primeiros seis meses do ano, houve mais 44 vítimas mortais do que em idêntico período do ano passado, totalizando 246 mortos.

O presidente da ANSR diz que ainda não tem respostas para este agravamento da sinistralidade, mas uma coisa já sabe: ficou a dever-se a um pico de acidentes graves nos meses de Maio e Junho.

“Em dois meses, Maio e Junho, houve um agravamento significativo da sinistralidade, tão significativo que deu para afectar o semestre em 23%. A nível dos acidentes, mortes e feridos graves e leves, a tendência veio sempre a descer e manteve-se até ao fim de Abril. No meses de Maio e Junho, a tendência inverteu-se. Porquê? Isso é uma boa questão que nós estamos a estudar e a tentar compreender.”

Segundo Jorge Jacob, um total de 18 pessoas perderam o título de condução desde a entrada em vigor da Carta por Pontos.

Carta por Pontos "beneficia o infractor"

A advogada Maria Teresa Lume, que acaba de publicar um livro sobre contra-ordenações ao Código da Estrada, não tem dúvidas em atribuir responsabilidades à Carta por Pontos. Na sua opinião, o novo sistema penaliza menos o infractor do que o anterior regime.

“Graças a Deus, as pessoas ainda não têm consciência que mudou para o melhor do infractor. Antes de 1 de Junho de 2016, se eu cometesse três contra-ordenações muito graves no mesmo dia, era condenada por elas, ficava imediatamente com a carta caçada e, durante dois anos, não podia tirar uma nova. Hoje em dia, cometo no mesmo dia cinco contra-ordenações graves e três muito graves e tenho seis pontos retirados da carta”, critica Maria Teresa Lume.

Para o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, José Miguel Trigoso, o mais preocupante não é tanto o nível de sinistralidade nas estradas, mas o que se passa nas localidades onde o nível de acidentes é dramático.

“Para além da Roménia, nós somos o único país da União Europeia que tem mais mortos resultantes de acidentes dentro das localidades do que fora”, sublinha.

Telemóvel já ultrapassou o problema do álcool nos EUA

Além do excesso de velocidade e da condução sob o efeito do álcool, o grande responsável pelos acidentes é o telemóvel. Nos Estados Unidos, diz José Miguel Trigoso, já está no topo da lista dos grandes responsáveis pela sinistralidade rodoviária.

“Os dados da utilização do telemóvel continuam a aumentar e neste momento não é só a falar, é a consultar as redes sociais, os emails. Há estudos feitos de institutos de investigação científicos, quer da Europa quer dos Estados Unidos, que apontam nomeadamente para a interacção com o smartphone que apontam para níveis de risco a aumentar mais de 20 vezes face à não utilização. Os Estados Unidos, por exemplo, dizem que o problema com o telemóvel, nomeadamente o smartphone, já ultrapassou o problema do álcool”, afirma o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

Fumar dentro do carro também distrai

Carlos Barbosa, do Automóvel Clube de Portugal (ACP), diz que os cigarros estão de novo a constituir um problema para a segurança rodoviária, porque voltou-se a fumar muito ao volante, sobretudo os jovens.

“A verdade é que a quantidade de gente que fuma, cada vez mais, dentro dos carros e a distracção que isso provoca volta a ter dentro o problema dos telemóveis, das distracções dentro do carro. O fumo era uma coisa que já, praticamente, tinha desaparecido, porque quando houve as grandes campanhas antitabaco ninguém fumava.”

No caso do tabaco ao volante, não há campanhas, como não há em relação a outros comportamentos de risco. O presidente do ACP denuncia que a lei impõe que uma parte do prémio de seguro vá para campanhas rodoviárias, mas o Estado usa indevidamente esse dinheiro para outros fins.

“Continuam a não haver campanhas rodoviárias, continua a não haver dinheiro, aliás o dinheiro existe. O Estado está, abusivamente, a utilizar dinheiro que não lhe pertence, do nosso prémio de seguro, 4% sai para o fundo de garantia, por ano, são cerca de 20 milhões. Metade é para pagar os acidentes de quem não tem seguro e a outra metade é para as campanhas rodoviárias. Está na lei. O Estado pega nessa metade e considera que comprar um carro para a GNR é uma campanha rodoviária”, lamenta Carlos Barbosa.

Para o presidente do ACP, o grande problema em Portugal é que as pessoas não sabem conduzir, muito por culpa das escolas de condução e do facilitismo com que se tira a carta.