Um refugiado no Parlamento Europeu. "São edifícios muito bonitos, mas o que aqui se diz não chega"
30-06-2017 - 18:40
 • Catarina Santos , em Bruxelas

Yousef inscreveu-se numa conferência com altos responsáveis mundiais. Ouviu promessas, mas pede que não se fiquem pelo hemiciclo do Parlamento Europeu.

A conferência tinha carimbo de "alto nível" e concentrava dezenas de personalidades de relevo, durante uma tarde, para discutir a gestão da migração. O palestiniano Yousef Hammad está há mais de um ano em Bruxelas a aguardar uma resposta ao pedido de asilo e achou que era a altura ideal para ouvir em primeira mão como se desenha o seu futuro dentro daqueles edifícios espelhados.

Já tinha entrado ali há alguns meses para uma visita guiada e na altura sentiu-se "esmagado". "São edifícios enormes, vês presidentes dos países, chefes da União Europeia (UE) e não é fácil para quem está neste país como refugiado ou à espera de uma decisão", conta à Renascença.

Yousef, de 28 anos, inscreveu-se na conferência, que decorreu a 21 de Junho, e foi-lhe enviado um convite. Podia sentar-se pela primeira vez no hemiciclo do Parlamento Europeu (PE).

Enquanto procurava um lugar na sala, não pôde evitar olhar com especial interesse para a área reservada aos jornalistas e sentir estranheza por não poder sentar-se ali.

Yousef era jornalista na Palestina e foi na sequência das suas reportagens, incómodas para o Hamas, que teve de fugir. Foi preso várias vezes e espancado. Contou esta história à Renascença em Abril de 2016, para a reportagem "Encalhados no Quintal da Europa".

Conseguiu chegar a Bruxelas e, mais de um ano depois, estava no coração da Europa. "Estou entusiasmado por poder ouvir estas histórias", dizia-nos.

Por aquele palanque passaram nomes de relevo na questão migratória, como o primeiro-ministro da Líbia, o ministro das Migrações grego, representantes da ONU, técnicos que trabalham directamente nas operações de salvamento ou de registo de migrantes, entre vários comissários europeus e eurodeputados.

O palestiniano pôde ouvir o presidente do PE, Antonio Tajani, enviar recados para o Conselho Europeu que iniciaria no dia seguinte; ouviu sublinhar inúmeras vezes a necessidade de a União Europeia (UE) concentrar esforços em África, para estancar o fluxo migratório mais perto da sua raiz; continuou a registar garantias de empenho da UE quando discursou Jean-Claude Juncker, que quer ver em prática a harmonização do sistema de asilo europeu.

O presidente da Comissão Europeia (CE) puxou orelhas aos países que não querem colaborar com o esquema de recolocação de requerentes de asilo e lamentou que seja preciso instaurar processos de infracção para castigar a falta de solidariedade. "Não gosto nada de o fazer, porque a solidariedade deve vir do coração, mas se não acontece temos de chegar lá por outros caminhos", disse Juncker.

O palestiniano diz compreender que "uns países possam acolher mais do que outros", mas recorda que estes são problemas de sempre: "Até Jesus teve de negociar com pessoas más há muitos, muitos anos. Esta é também uma negociação. Não é fácil. Há quem não aceite todas as pessoas.”

Pedidos e recados não entregues

Uma das intervenções mais aguardadas por Yousef era a da Alta Representante da UE para a Política Externa e Segurança.

Confessando que sempre sentiu "vergonha dos mortos que a UE não quis ver durante tantos anos", Federica Mogherini lembrou que a dimensão da tragédia é bem maior que o que conhecemos, porque "não vemos os que morrem no deserto”.

Mogherini é italiana, conhece bem o problema que desagua nas costas do seu país há vários anos e guardou uma resposta para quem diz que salvar vidas no Mediterrâneo tem um efeito de "atracção" para que muitos mais migrantes arrisquem a travessia: "Se há mães que colocam em risco a própria vida e a dos seus filhos" em barcos "sem o mínimo de condições" é porque "o 'push factor' [factor impulsionador] é muito mais forte do que o 'pull factor' [factor de atracção]".

Yousef guardava a esperança de poder abordar Federica Mogherini directamente. Queria dizer-lhe "que os procedimentos para lidar com os refugiados são ineficazes e inúteis a longo-prazo". E queria também falar-lhe a situação no seu país, do número de palestinianos que foram forçados a abandonar "as suas terras ocupadas" e questioná-la sobre "o apoio diplomático e, por vezes, militar" que a UE dá a Israel.

Procurou-a quando Mogherini se retirou da sala para uma conferência de imprensa noutro piso, circulou pelos corredores à procura de um breve encontro, mas a responsável pela Política Externa tinha agenda apertada e abandonou o edifício em pouco tempo. Yousef contactou, entretanto, a equipa de assessores que trabalha com a Alta Representante para tentar que Mogherini o receba um destes dias. Tempo não lhe falta, enquanto aguarda a terceira entrevista com os serviços de imigração belgas para saber uma resposta ao seu pedido de asilo.

"Não pensei que tivesse de esperar mais três meses pelo meu processo", confessa. Na véspera da conferência, Yousef contava ter obtido uma resposta definitiva sobre a sua situação, mas afinal terá de haver pelo menos mais uma entrevista. Estava, por isso, um pouco impaciente. Em todo o caso, saiu daquela tarde com "um grande respeito pela União Europeia" por ter colocado o tema na agenda.

Esforça-se por pesar as dificuldades de todos os lados e não se cansa de dizer para si mesmo que precisa de ter paciência, mas espera que daquelas cinco horas de discursos saia algo mais do que boas intenções. "Isto é uma reunião oficial, neste grande edifício, e é muito complicado. É bonito, é fantástico em termos de design, mas isso não chega", sublinha.

"Talvez os políticos não falem a sério sobre ajudar as pessoas, mas isto tem de ser um facto. Têm de ver, querer mesmo fazer algo e pensar sobre o assunto. Não pode ser só ouvir", diz, agarrando na mochila e seguindo caminho para o comboio que o levaria de volta a Charleroi, onde fica o seu centro de acolhimento, a cerca de uma hora de Bruxelas.


A Renascença viajou para Bruxelas a convite do Parlamento Europeu.