Questões sobre o nacionalismo
14-07-2018 - 11:45

O corrente surto de nacionalismo é sobretudo um fenómeno xenófobo. Os imigrantes servem de bode expiatório para as crescentes desigualdades económicas.

O nacionalismo, que parecia abalado com a globalização e com a integração europeia, estará de regresso? A pergunta é pertinente, dada a ascensão de muito políticos autoritários que se reclamam nacionalistas e adversários da integração europeia. Casos que vão de Trump (“America first”) a Erdogan, passando pelo italiano Salvini e pelo húngaro Viktor Orbán.

Dizem alguns que a democracia só pode funcionar no quadro de um Estado nacional. E que ela é inviável na União Europeia, porque aí lhe falta um “demos”, um povo que se sinta possuir um certo grau de unidade. Mas o “demos” também se constrói, certamente com lentidão. Aconteceu na maioria das nações e das democracias modernas. Aliás, não parece que os líderes autoritários estejam propriamente apaixonados pela democracia tal como ela existe nos países desenvolvidos – o primeiro-ministro húngaro V. Orbán refere-se frequentemente, com orgulho, ao regime do seu país, que designa de “democracia iliberal”. E o governo atual da Polónia não reconhece o valor democrático por excelência que é a separação do poder político do um poder judicial independente.

Uma ideia moderna

A ideia de “nação” é relativamente moderna e deve muito à Revolução Francesa. Antes, as pessoas sentiam-se ligadas uma pessoa especial, a quem serviam e que os protegia – os senhores feudais na Idade Média, os reis absolutos depois. Ora, numa França revolucionária, atacada por vários países europeus onde ainda vigorava o Antigo Regime, foi lançado um apelo aos franceses para tomarem armas tendo como objetivo defenderem a sua nação. Seguiu-se Napoleão, que dominou boa parte da Europa com um grande exército de cidadãos que combatiam pela glória da França. Já não era um exército de aristocratas e mercenários.

Mas é duvidoso que a França de há três ou mesmo dois séculos fosse um Estado nação. A língua que se falava então em Paris estava ainda longe de ser a língua da maioria dos franceses. A unificação da Itália e a da Alemanha ocorreram apenas na segunda metade do século XIX. Já em Portugal, que mantém as fronteiras mais antigas da Europa, o Estado coincide com a nação há muitos séculos, o que explica o nosso forte sentimento de identidade nacional.

Pelo contrário, a Espanha é um Estado multinacional – ali, um nacionalista pode ser um adepto do nacionalismo catalão ou basco, ou, ainda, do nacionalismo espanhol. O mesmo se diga do Reino Unido, onde a Escócia promoveu em 2014 um referendo sobre a sua independência (o “não” ganhou). E não é por acaso que o Reino Unido tem quatro seleções nacionais de futebol: Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.

Em Itália acontece, nesta altura, um fenómeno curioso. O partido que não foi o mais votado nas últimas eleições, mas que de facto comanda o governo – a Liga – é considerado nacionalista, de extrema-direita. Mas esse partido, que nasceu com o nome de Liga do Norte, até há um ano lutava por… dividir a Itália, criando um novo país no Norte, chamado Padânia. A ideia era libertar o Norte de Itália dos problemas do Sul do país - subdesenvolvimento crónico, influência das máfias, etc. Esta contradição mostra como o “nacionalismo” pode ser muito ambíguo, como observava Anatole Kaletsky num artigo recentemente publicado no “Negócios”.

Um fenómeno xenófobo

Kaletsky salienta, por outro lado, que os italianos, até há pouco, eram grandes defensores do federalismo europeu; aliás, a Itália contou-se entre os seis países fundadores da integração europeia, na década de 50 do século passado. Os eleitores italianos tinham, até, mais confiança nos dirigentes europeus, em Bruxelas, do que nos seus governantes, em Roma. A classe política italiana situou-se durante décadas no escalão mais baixo do apreço social naquele país. Agora aparece Salvini, o líder da Liga, a agitar a bandeira nacionalista em nome de travar a imigração, esquecendo – temporariamente? – a separação do Sul. Se isto é nacionalismo…

Este falso nacionalismo é sobretudo um fenómeno xenófobo, diz Kaletsky. As pessoas, e antes de mais os dirigentes políticos, encontram nos imigrantes o bode expiatório para os salários baixos, as crescentes desigualdades económicas, as crises financeiras, etc. A xenofobia explica a sanha de Trump contra a imigração - num país de imigrantes como são os EUA… - bem como a guerra comercial que ele desencadeou também contra aliados. Guerra que sairá cara aos consumidores americanos.

O nacionalismo autoritário e iliberal que tomou conta de vários países europeus que pertenceram durante décadas ao “império soviético” (Hungria, Polónia, República Checa, etc.) tem na sua raiz uma grande insegurança sobre o que é a “nação”. Acontece que estes países, alguns deles nascidos apenas depois da I guerra mundial, sofreram numerosas alterações de fronteiras e de regimes políticos ao longo da sua história. Por isso rejeitam receber imigrantes – é um nacionalismo de fraqueza. A República Checa e a Eslováquia têm apenas 25 anos; antes e desde 1918 existia a Checoslováquia, que até essa altura fazia parte do império austro-húngaro.

Uma outra falácia corrente nas explicações que são dadas sobre a ascensão de políticos autoritários – Trump, Putin, Erdogan, etc. – tem a ver com a ideia de que se trata de um movimento das “pessoas comuns” contra as elites que alegadamente as ignoram. Nota Anatole Kaletsky que essa rebelião não é lá muito evidente. E especifica: bilionários tomaram conta da política dos EUA com o presidente Donald Trump (alegadamente eleito para salvar esses esquecidos pelo progresso); um professor não eleito dirige o governo de Itália; reduzem-se os impostos sobre os rendimentos cada vez maiores de financeiros, tecnólogos e gestores de empresas. “Enquanto isto, os trabalhadores comuns resignaram-se à realidade de que a habitação, a educação e até mesmo a assistência médica de alta qualidade estão irremediavelmente fora do seu alcance”.


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