A outra face da moeda
20-05-2017 - 10:45

As novas tecnologias trazem muitos benefícios. Mas também têm o seu lado negro.

Milhares de pessoas pediram ao Google que retire os seus nomes dos resultados de pesquisas nos motores de busca da empresa. O Tribunal de Justiça da União Europeia, num acórdão de há dois anos, aceitara o chamado “direito ao esquecimento”. Segundo o Público de há uma semana, mais de 4300 portugueses invocaram esse direito, mas o Google apenas satisfez um quarto dessas solicitações.

Há quatro acções em tribunal por causa deste assunto, que é relativamente novo no direito, logo susceptível de forte controvérsia jurídica. Até porque o acórdão do Tribunal de Justiça da UE deu ao Google um largo poder de decisão nesta matéria. Mas a nossa Comissão Nacional de Protecção de Dados entende que não cabe à empresa determinar o interesse público da informação.

Existe aqui um conflito de direitos: o direito ao bom nome e reputação dos utilizadores do Google e à reserva da intimidade da vida privada, contra o direito à informação quando esteja em causa o interesse público. É um conflito de interesses e de direitos que o jornalismo conhece bem.

Vender os dados

Mas as empresas tecnológicas que armazenam biliões de dados sobre todos quantos utilizam a internet não o fazem para defender o interesse público mas para colher informações sobre essas pessoas. Permitindo, por exemplo, traçar o perfil de compras de um utilizador da net quanto às suas preferências em matéria de aquisição de vestuário ou outro bem ou serviço qualquer. Tais informações são depois vendidas às empresas comerciais por preços elevados.

Tudo o que passa na net deixa um traço digital, sobretudo com a generalização dos “smartphones”. Não é agradável a sensação de os nossos passos serem, quase permanentemente, registados sem o nosso conhecimento. Mas não se pode “desinventar” a net, que aliás trouxe enormes benefícios, a par de algumas desvantagens.

O Google, por exemplo, é um instrumento de consulta rápida de grande utilidade para os jornalistas – apesar de nem sempre ser totalmente fiável e de poder devassar a nossa privacidade. Temos que viver com estas novidades tecnológicas, aproveitando o que elas trazem de positivo e tentado limitar os seus inconvenientes.

O semanário britânico The Economist dedicou uma recente história de capa ao que considera os mais valiosos recursos na economia moderna: os dados, a informação. Não admira, assim, que as empresas tecnológicas – nomeadamente Google, Amazon, Facebook e Microsoft – sejam hoje as mais valiosas entre as empresas cotadas em bolsa no mundo, gerando lucros fabulosos.

Ora não existe, ainda, uma forma eficaz de conter o enorme poder que têm hoje as empresas tecnológicas. A tradicional luta contra os monopólios e pela defesa da concorrência aplicam-se mal ao sector tecnológico. Entretanto, as grandes empresas do sector compram quase todas as start-ups que lhes parecem trazer algo de novo e com futuro, eliminando potenciais concorrentes futuros.

“Baleia Azul”

A vulnerabilidade a ataques informáticos, como aqueles que ocorreram há uma semana, é um problema da net ainda não resolvido. Assusta pensar que um ataque desses pode paralisar as telecomunicações ou os transportes de um ou mais países. Ou até bloquear o abastecimento de água a grandes cidades.

Há, por isso, um longo caminho a percorrer para assegurar a segurança da net. E para retirar dali instrumentos perversos.

É o caso do macabro jogo da “Baleia Azul”, que leva adolescentes a auto mutilarem-se e até a suicidarem-se. Julgo chocante que o confesso autor deste sinistro jogo, um russo de 21 anos, esteja detido em S. Petersburgo desde Novembro, mas que a “Baleia Azul” continue desde então a fazer vítimas. Não houve – não haverá? – capacidade para eliminar da net essa monstruosidade?

Entretanto, o tal jovem russo diz coisas loucas, como “estou a limpar o mundo”, classificando as suas vítimas de “lixo biológico”. Vítimas que, diz ele, “estavam felizes por morrer”.

Trata-se, certamente, de uma pessoa com um grave desequilíbrio mental. A net serviu-lhe – e continua a servir-lhe – para praticar acções criminosas. Mas não se culpe a tecnologia: em 2011 Breivik, um neonazi, matou a sangue frio 77 jovens na Noruega com armas de fogo, que existem há séculos.