“Num único mês (Janeiro), o Facebook teve de investigar cerca de 54 mil potenciais casos de pornografia de vingança (revenge porn) e extorsão sexual (sextortion)”. Divulgada pelo “The Guardian” de 22 de Maio, esta é a notícia que mais me assustou nos últimos tempos.
O terrorismo islamita é visível, mediático e, para o bem e para o mal, já o pensámos milhares de vezes. Ao invés, esta avalanche de vídeos caseiros e sexuais usados como chantagem sobre miúdas é silenciosa, subterrânea, não a debatemos como sociedade. Tenho duas filhas. Confesso o medo e a desorientação perante esta realidade nova: um rapaz na flor da idade e da idiotice pega num telemóvel e filma a intimidade sexual com a namorada, muitas vezes sem ela saber; depois usa aquelas imagens para se gabar junto dos amigos, qual Don Juan 2.0; mais tarde, usa aquele vídeo para fazer chantagem sobre a rapariga. Esta é uma realidade quotidiana que se repete milhares de vezes. E repare-se que os números que mencionei são referentes apenas ao tráfego do Facebook. Como é evidente, este porno de vingança não precisa de Facebook, só precisa de um mail, de uma SMS, de uma galeria de fotos e vídeos num mísero telemóvel.
Há uns dias, o “Correio da Manhã” divulgou um destes vídeos. A maioria das pessoas criticou o jornal. Eu percebo a crítica: aquilo foi divulgado apenas e só para criar tráfego e visualizações.
O caso porém teve o condão de nos mostrar uma pequena gota deste problema, que, na maioria dos casos, é silenciado por razões óbvias: ninguém quer colocar a própria filha abusada ou humilhada debaixo dos holofotes. Mas a verdade é que o tema tem de ser debatido, até porque me parece necessário repensarmos a educação sexual dos miúdos. A sua relação com o corpo tem de ser repensada. Não podemos nem queremos voltar à castidade que diabolizava o prazer, mas não podemos continuar no actual registo de banalização do corpo. Banalização, essa, que se vê em qualquer anúncio em qualquer altura e em qualquer lugar: televisão, jornais, net, anúncios na rua. O corpo (feminino e masculino) e o sexo tornaram-se banalidades desligadas de qualquer noção de amor ou respeito.
Na rua, há anúncios explícitos de lojas de sexo; na tv, os anúncios de preservativos são cada vez mais gráficos, etc., etc. Neste contexto hipersexualizado, é difícil educar os jovens na ideia de que o sexo implica respeito pelo outro; sexo não é onanismo assistido. Neste contexto cultural que faz tangentes às catacumbas do porno, é difícil ensinar os rapazes a respeitar o corpo das raparigas.
Não posso nem quero educar as minhas filhas como se estivéssemos em 1950, não posso nem quero educá-las na diabolização beata da sexualidade, mas também não quero educá-las nesta atitude libertária ou libertina. É um perigo demasiado grande na era da net e da captação de imagem a partir de qualquer geringonça. O código que ainda marcou a sexualidade da minha geração – What happens in Vegas stays in Vegas – já não se aplica. A privacidade tornou-se demasiado porosa. Onde é que está o equilíbrio entre o passado castrador o presente libertino? Não sei, aliás, ninguém sabe. É por isso que temos medo. Estamos moralmente desarmados perante a net.