Canábis. “Autocultivo é o que me suscita mais dúvidas e dificuldade em aceitar"
11-01-2018 - 11:26

O director do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências comentou na Renascença a utilização de canábis para fins medicinais.

O director do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), João Goulão, mostra-se renitente quanto à possibilidade de autocultivo de canábis, mesmo para fins terapêuticos.

“É, realmente, dos projectos em discussão, aquele que me suscita mais dúvidas e mais dificuldade em aceitar”, diz João Goulão, relativamente aos diplomas que o Parlamento discute nesta quinta-feira.

Entrevistado na Manhã da Renascença, o médico explica que, sendo admitido que se pode fumar canábis, “a planta posta à disposição do doente para adjuvante da terapêutica de uma determinada condição clínica, tem que ser submetida a um rigoroso controlo de qualidade em meio laboratorial, que garanta que o seu teor nos seus diversos alcalóides é adequada ao tratamento daquela condição clínica”.

“Parece-me que isto é dificilmente compaginável com o autocultivo – o facto de a pessoa ter as suas plantas em casa e, a partir daí, preparar o seu medicamento”, conclui.

Por isso, João Goulão considera “muito positivo” que a discussão sobre o autocultivo e sobre a utilização da canábis para fins medicinais “sejam separadas”. A discussão sobre o “uso terapêutico é, sobretudo, uma questão que diz respeito à Agência do Medicamento”, o Infarmed, defende.

Para o director do SICAD, o importante é ponderar “as vantagens e os inconvenientes que a utilização destas substâncias preparadas a partir de canábis pode ter em determinadas condições clínicas”.

“Temos já precedentes em vários países europeus, inclusive com beneplácito de agências do medicamento locais”, remata.

“Os benefícios estão comprovados”

Um dos subscritores da carta aberta que defende o uso da canábis para fins terapêuticos não entende a posição de quem se opõe e avança com três argumentos.

“Eu não conheço nenhum medicamento que não tenha riscos associados à sua utilização. Se me quiserem dizer um, eu gostaria de saber”, começa por enumerar Jorge Espírito Santo, médico oncologista no hospital do Barreiro.

“Segundo ponto, o perfil de segurança destas substâncias é muito favorável. Terceiro ponto, outras substâncias que usamos correntemente em medicina, que têm efeitos secundários e perfis de habituação, são piores do que os derivados da canábis”, sustenta.

Jorge Espírito Santo destaca ainda que os benefícios “estão comprovados – é só ir à procura dos estudos e da literatura porque ela está disponível”.

Não se trata de defender que os derivados da canábis acrescentam “mais ao que já há” ou de “fazer a diferença, é usar juntamente com medicamentos de que já podemos dispor” e “abrir o leque de opções que temos disponíveis para os nossos doentes”.

"Se vamos pelo argumento de que já temos medicamentos para tratar uma determinada patologia, deixamos de investigar. Não me parece que esse raciocínio seja adequado”, afirma.

Como exemplo para a utilização da canábis, o médico oncologista aponta “o controlo da emese após quimioterapia e o controlo de alguns sintomas da doença oncológica, além de outras patologias em que a sua utilização tem benefícios comprovados”.

Quanto ao autocultivo, tal como João Goulão, Jorge Espírito Santo coloca reticências, admitindo que pode trazer riscos acrescidos, dado que, “quando se utiliza um extracto de uma planta, nunca se usa só uma substância, usam-se várias”.

Este especialista defende ainda que os medicamentos saídos da canábis devem ser em forma de comprimido ou suspensão, apoiando assim a posição da Ordem dos Médicos, que afasta a possibilidade de a canábis ser fumada.

“Para que os derivados da canábis possam ser usados medicamente, têm que ser sob uma formulação que seja controlada – ou seja, temos que saber exactamente qual é a quantidade que estamos a administrar é mesmo aquela substância e não uma mescla de várias substância”, sustenta.

Para Jorge Espírito Santo, “a questão central é esta: os doentes portugueses devem ter acesso a este tipo de substâncias”.


[Notícia actualizada às 13h00]