"Estar por horas": a não-notícia
11-07-2018 - 07:10

Ao lado da informação verdadeira e das “fake news” abundam assim, também, as não-notícias, exploradas à saciedade como “teasers” constantes e diários.

Quando foi inventada – no tempo em que só havia jornais – a comunicação social servia para informar o leitor acerca dos principais factos novos de interesse público. Na era presente da híper-informação, o conceito de notícia é tão amplo e maleável, ao sabor de agendas e lobistas, voyeurismo e infotainment (a mistura da informação com entretenimento), que as redes sociais, as televisões e o online não têm barreiras à “novelização” da informação, ou seja, a lançar um isco e a pisá-lo e repisá-lo, vezes sem conta, servindo requentado um “prato”, leia-se, um tema, que de repente faz manchete, mas que, na verdade, tarda a ser uma notícia, entendida como algo novo e, por isso mesmo, relevante.

Ao lado da informação verdadeira (um conceito hoje bastante relativo), e das “fake news” abundam assim, também, as não-notícias, exploradas à saciedade como “teasers” constantes e diários, quase como um romance-folhetim que avança muito devagarinho (ou não avança), mantendo o suspense e, por esta via, a atenção pública, as audiências, os “clicks” … e os anunciantes.

Para “novelizar” a informação usa-se e abusa-se, hoje, do “pode estar por horas”: as horas passam, nada de realmente novo se passa, mas, entretanto, o show está montado, está criado o suspense, os comentadores constatam que “ainda nada está definido”, e as imagens ou as reportagens, montadas em looping, repetem-se e repetem-se e repetem-se, garantindo que o que quer que seja “está por horas”.

Na última semana, tivemos dois exemplos disto: o drama do resgate dos rapazes presos numa gruta na Tailândia e a epopeia da transferência de Cristiano Ronaldo do Real Madrid para a Juventus. Atenção que de modo algum pretendo igualar as duas histórias. Na Tailândia, lutou-se por vidas; em Turim, aguarda-se um galáctico da bola. Não é o conteúdo, com toda a distância que vai do drama tailandês às venturas de CR7, que aqui quero discutir, mas a forma. Durante dias, as televisões assentaram arraiais nas duas histórias. Na Tailândia, de relevante aconteceu terem encontrado os rapazes e terem, uma semana depois, conseguido o seu resgate. Mas entre uma e outra coisa, viu-se uma sobrecarga de “não-notícias”: a salvação, a chuva ou a incerteza estavam “por horas”. E, no entretanto, houve horas e horas de “especiais” e de opiniões, de espetáculo mediático montado sobre a iminência da tragédia ou da glória. O excesso foi tal que saturou e banalizou o acontecido, ao ponto de o espetador achar que estava a assistir a um documentário de espeleologia! Com Ronaldo é o mesmo. A transferência, a assinatura do contrato, a apresentação em Turim estavam (estão?) “por horas”; um repórter encarregado de “encher chouriço” (perdoe-se a gíria jornalística), entrevista anónimos em Turim, operários da FIAT ou passantes na loja da Juventus e filma, vazia, a sala de imprensa onde talvez o craque dê a sua primeira entrevista em Itália. O suspense é sebastiânico, quando no fundo se trata apenas de um jogador a mudar de entidade patronal! De Ronaldo nada, “but the show must go on”.

Nos EUA, até aos anos 1960/70, os noticiários duravam cerca de 15 minutos; só chegaram à meia-hora por causa do Vietname e do Watergate. Em Portugal, também houve um tempo em que eles eram sóbrios, curtos e realmente noticiosos. O «Domingo Desportivo», que versava sobre futebol, durava meia-hora e limitava-se (é um elogio), a mostrar os resumos dos jogos. Hoje, tudo vale para a espetacularização da notícia. E se a história não avança, não há problema; repete-se o que se tem, mistura-se e dá-se mais uma vez, na esperança de que alguma coisa nova possa, de facto, acontecer “nas próximas horas”. O que interessa é que o share suba e os espetadores não desertem…